Dialética do método empregado
Joyce como revolucionário no uso da lingua
Quando Joyce editou Finnegans Wake, provocou uma comoção na comunidade intelectual e um grupo composto de nomes de muito peso resolver fazer um grupo de ensaios sobre a questão do que Joyce estava fazendo e isto é conhecido como Work in Progress. Em 1961 Sylvia Beach reeditou estes ensaios a pedido dos sobreviventes desta reunião de 1929 e convido quem estiver lendo para dar uma olhada nesta re edição.
Esta discussão não teve e nunca terá fim.
A melhor apreciação sobre o que eles discutem lá, a meu ver está com McLuhan e o Prof.Anisio Teixeira, tradutor da Galaxia de Gutenberg e a ofereço aqui, como a compus no Manual do Usuario:
A tipografia domina apenas um período (o terço final) da história da leitura e escrita (113)
Neste ponto, se McLuhan tivesse estruturado este livro, começaria uma Parte II, pois ele passa apenas a se preocupar com a palavra escrita, ou melhor impressa, no âmbito de sua capacidade de transferir o espaço áudio-tactil do homem civilizado ou alfabetizado ou "profano".
Uma informação muito importante é que do séc 5 ao 15, livro era trabalho de escriba ou copista e somente uma terça parte da historia do livro no mundo ocidental foi tipográfica.
E eu acrescentaria que está rapidamente se transformando em eletrônica.e pela quantidade de produção em cinema, TV, mídias audiovisuais, logo terá mais informação desta forma que na do livro impresso.
Vale reproduzir a menção que McLuhan faz de G S Brett em Psicologia antiga e moderna, pág 36-37:
"A idéia de que o conhecimento é essencialmente saber de livros parece ser muito noção da época moderna, provavelmente derivada da distinção medieval entre clérigos e leigos, à qual veio dar nova ênfase ao caráter literário e um tanto extravagante do humanismo do século dezesseis. A idéia primitiva e natural de conhecimento é a de "sagacidade ou astúcia", ou do homem de recursos e espírito. Ulisses é o tipo original de pensador, do homem cheio de idéias, capaz de vencer os Ciclopes e alcançar importantes triunfos do espírito sobre a matéria. Saber ou conhecimento, portanto, é capacidade de vencer as dificuldades da vida e. obter êxito neste mundo."
Brett,
nesse ponto, especifica a dicotomia natural que o livro traz para qualquer sociedade,
além da divisão ou ruptura interior que produz no indivíduo
dessa sociedade. Em suas obras James Joyce revela no assunto clarividência
rica e complexa. Em Ulisses, seu personagem Leopold Bloom, o homem de muitas
idéias e estratagemas, é um agente de publicidade.
Joyce viu as semelhanças, entre a fronteira moderna. do verbal e do pictórico,
de um lado, e de outro, o mundo de Homero, equilibrado entre a velha cultura
sacra e a nova sensibilidade letrada ou alfabetizada, ou profana. Bloom, judeu
recém-destribalizado, vive na moderna Dublin, no mundo irlandês
parcialmente destribalizado. Tal fronteira é o mundo moderno da propaganda,
congenial , portanto, da cultura em transição de Bloom. No episódio
de Itaca, ou décimo sétimo de Ulisses, lemos: "Quais eram
habitualmente suas reflexões finais? ,As de um anúncio, só
e único, que fizesse o transeunte parar admirado, uma novidade de cartaz,
do qual todos os acréscimos estranhos fossem excluídos, ficando
reduzido aos termos mais simples e eficientes, não excedendo o campo
da visão casual e rápida, de acordo com a velocidade da vida moderna".
Em Books at the Wake (Livros na vigília) (págs. 67-68), James S. Atherton assinala:
"Entre outras coisas Finnegans Wake é uma história da escrita. Começamos escrevendo sobre "Um osso, um seixo, uma pele de carneiro (...) leave them to cook in the mutthering pot: and Gutenmorg with his cromagnon charter, tintingfats and great prime must once for omniboss stepp rubrickredd out of the wordpress" (20.5). O "mutthering pot" é uma alusão à alquimia, mas há algum outro sentido ligado à escrita, pois na vez seguinte que a palavra aparece é num trecho relativo a melhoria em sistemas de comunicação. O trecho é: "All the airish signics of her dipandump helpabit from an Father Hogam till the Mutther Masons..." (223.3). "Dipandump helpabit" combina os sinais no ar com os dedos do alfabeto de surdos e mudos com os altos e baixos do ABC comum e os mais pronunciados altos e baixos da escrita "ogham" irlandesa. O Mason, que se segue a isso, deve ser o homem desse nome que inventou as penas de aço. Mas tudo que posso sugerir para "mutther" é o "cochichar" dos maçons que não se adapta ao contexto, embora eles também façam sinais no ar(*)."
Neste asterisco, o cultíssimo Prof. Anísio Teixeira, tradutor, explica:
(*) Foram deixadas no texto original as citações de Joyce. É que Joyce utiliza em seu livro todos os recursos dos diversos jargões de Dublin, dissonâncias, calemburgos e jogos de palavra para compor um todo refratário à tradução exata. Ora, o propósito do Autor de tirar dessa forma de composição particular uma significação especial é incompatível com uma tradução em que naturalmente não se poderia obter os mesmos efeitos de alusão e transfiguração dos sons. Daí o Tradutor preferir deixar as citações no original, traduzindo apenas o que lhe pareceu traduzível. O mesmo fez o tradutor francês, apesar da singular plasticidade de sua língua. (N. do Trad.)
E McLuhan acrescenta, no melhor estilo que eu Roque, gostaria de anotar Joyce:
"Gutenmorg with
his cromagnon charter" expressa por meio de uma glosa mítica,
o fato de que a escrita significou a emergência do homem da caverna, ou
sacro, de dentro do mundo auditivo de ressonância simultânea para
o mundo profano da luz do dia. A menção aos pedreiros (Masons)
refere-se ao mundo dos assentadores de tijolos como o próprio modo do
uso das palavras. Na segunda página de Wake, Joyce faz um mosaico,
um escudo de Aquiles, por assim dizer, com todos os temas e modos da fala e
comunicação humanas: "Bygmeister Finnegan of the Stuttering
Hand, jreemen's maurer, lived in the broadest way immarginable in bis ruchlit
todfarback for messuages before joshuan judges had given us numbers (...)"
Joyce faz, em Wake, seus próprios desenhos da caverna de Altamira, configurando
toda a história da mente humana, em termos de suas atitudes e ações
fundamentais no curso de todas as fases da cultura e da tecnologia. Como o título
que escolheu indica, ele viu que a vigília (wake) do progresso humano
pode desaparecer novamente na noite do homem sacro
ou auditivo.
O ciclo Finn (Finnegans Wake)
de instituições tribais pode voltar na era da eletricidade, mas
se voltar novamente, façamos dêle uma vigília (Wake) ou
um despertar (Awake) , ou ambas as coisas.
Joyce não via vantagem em ficarmos fechados em cada ciclo de cultura
como num transe ou sonho. Descobriu os meios de viver simultaneamente em todos
os modos de cultura ao mesmo tempo e completamente consciente. O meio que menciona
para essa auto consciência e correção da distorção
cultural é o seu "colideoroscópio". Esse termo
indica o intercâmbio em mistura coloidal de todos os componentes da tecnologia
humana ao estenderem eles nossos sentidos e mudar o equilíbrio de suas
inter-relações no caleidoscópio social do entrechoque cultural:
"deor", selvagem, o oral ou sacro; "scope",
o visual, ou profano, e civilizado.
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O grifo em vermelho é a afirmação mais importante que este livro de McLuhan contém. Em 1962, quando McLuhan disse isto, tudo estava por acontecer, e agora, em 2014, já aconteceu não se trata mais de se voltar, mas jávoltou e cabe a nós despertar. Este trabalho é uma vigilia.
Paradoxo 1: Quem lê Joyce, especialmente quem pensa em traduzir, privilegia os diversos jargões de Dublin, dissonâncias, calemburgos e jogos de palavras, tentando equivalentes na lingua traduzida, tentando vencer o que é refratário à tradução exata. Tudo aquilo é uma moldura para um quadro que não é visto, que é a historia do fracasso da relação dele com a esposa, a vivência monogâmica diante de um instinto que no homem é poligamo e na mulher não se sabe e Molly Bloom tambem não o revela. Tudo isto com o incomodo de estar preso diretamente a uma raça (irlandesa) que se bate diante de outra(anglo saxonica) querendo se afirmar e outra raça (judia) que tem um historico de perseguições e discriminação inigualável.
Paradoxo 2: Quando o livro foi lançado, em 1922, foi banido por ser considerado obsceno. Como o Prof. Heffernan nos informa, alguns criticos da época consideravam o livro apenas como uma gigantesta fossa, ele cita o discurso de Alfred Noyes diante da Royal Society que afirmou que nem na mente de macacos poderia ser concebido aquilo, especialmente por ser algo imbecil. Citando George Moore, ele se apega à falta de pedigree de Ulyses, que era verdadeiramente "ninguém", sem familia e sem educação, sendo apenas um enfadonho aborrecimento. Sem familia, sem educação, apenas genio, como o enfatiza o Prof. Heffernan de uma forma que tem que ser ouvida e que é o ponto alto de sua introdução a Ulysses. Joyce foi confirmado inicialmente por três escritores americanos, Ernest Hemingway, que fez a famosa afirmação que Joyce tinha um senhor romance nas mãos. Ezra Pound, que deu o troco para George Moore (e quem o seguisse), dizendo que todos os homens deveriam se unir e aplaudir Uysses e quem não o fizesse, pode se colocar no grupo dos menos dotados intelectualmente. T.S.Elliot, por sua vez, afirmou que ele considerava este livro a mais importante expressão desta era, sendo que somos todos dele devedores e do qual ninguem consegue fugir. Elliot, nos informa Heffeneran, disse que Joyce fugiu do padrão do sec 19, usava um único ponto de vista consistente e particular, e Joyce partiu para um o manuseio de um paralelo continuo entre a contemporaneidade e a antiguidade, no que T S Elliot chamou de estilo mitico. Elliot ainda afirmou que Joyce usa uma estrutura mitica antiquissima para dar sentido de controlar, ordenar, dar uma forma, uma significancia, para o enorme panorama de futilidade e anarquia que é o mundo contemporâneo. O paradoxo reside no fato de que este homem comum que deve se unir e aplaudir Joyce, o faz sem entender nada do que ele quis dizer, sequer conseguindo ler totalmente o livro, como é notório. Neste sentido, o efeito mais notavel de Joyce é a comemoração do Bloomsday que vai ficando universal.
Paradoxo 3: Por tudo que se sabe e se possa dizer, Joyce deveria ser um anti herói: Pobre, traido (ou não?) pela mulher, desterrado, politicamente incorreto, machista, arrogante, presunçoso, saude frágil, tudo de ruim. Virou o maior intelectual moderno do idioma Inglês e é aclamado por todos de forma uníssona. Se não dá nem para entender o que ele quer dizer, porque tudo isto? Talvez porque as pessoas não queiram entrar na categoria apontada por Pound e Elliot.... Não seria a roupa maravilhosa que só os inteligentes vêem da fábula de Grimm? Ou seríamos todos "loosers"?
Paradoxo 4 Eu me sinto um tanto quanto perplexo, para não dizer idiota..., pois não sinto nenhum transporte legítimo com James Joyce (aquele que Stuart Gilbert insiste em ver...)que a agente sente diante de coisas realmente geniais, que eu cito alguns exemplos: A Montanha Mágica de Thomas Mann, O Tempo e o Vento de Verissimo, of Human Bondage do Somerset Maughan, Rebeca, De Daphne du Maurier, e uma lista que vai longe. Homero é meio ilegivel, mas no filme de Ulysses do Kirk Douglas dá para perceber várias metáforas de Homero sobre certas situações que vivemos na vida, sendo a passagens das sereias absolutamente genial. James Joyce, o que é? Um desafio intelectual, um exercicio...um Tour de Force para a inteligencia?...com certeza não é para o coração... Muito desafiador, mas tremendamente maçante...O problema é de minha mediocridade? Ou não?
Paradoxo 5 (para terminar) Este Tour de Force que esta embutido aqui, possibilita um tipo de julgamento que endossa as palavras de Ron Rosenbaun, que está sintetizado na sua frase:
Ulysses is an overwrought, overwritten epic of gratingly obvious, self-congratulatory, show-off erudition that, with its overstuffed symbolism and leaden attempts at humor, is bearable only by terminal graduate students who demand we validate the time they've wasted reading it.
Ulysses é um épico feito com excessivo requinte (que o faz cansativo), escrito sobre outro (de forma excessivamente elaborada), com irritante e desagradável erudição, com auto complacência e orgulho indevidos sobre as conquistas e qualidades pessoais (de Joyce), uma exibição publica pretensiosa de erudição, indevida complacência pela auto-satisfação de suas proprias realizações, forçando excessivamente simbolismo, com incursões de humor broncas, pesadas e lentas, somente suportável por estudantes de pós-graduação ao fim dos seus estudos para validar o tempo que desperdiçaram lendo o livro.