Fim das Iluminuras e inicio da Era Gutenberg
Roque Ehrhardt de Campos
camposre001@gmail.com
Tenho profunda atração
pela Idade Media e discordo que foi a Noite dos Mil Anos. Não é
um traço de minha formação, mas de minha idiosincrasia.
Não tenho como provar, mas tenho intuição que a visão
que tenho é a de um intelectual no máximo da Renascença,
provavelmente da Idade Média. Vou tentar aqui expicar como acho que era
esta visão, que penso ser a minha. Que vai facilitar entender todo este
trabalho sobre Joyce.
"A Noite dos Mil Anos " é fruto da miopia moderna que se originou na cultura escrita conseqüência da Invenção de Gutemberg.
O fato mais relevante deste período é o fim do processo de acumulação de idéias mais ou menos liderado pelas iluminuras e o inicio da época da impressão de livros, que condicionou a acumulação das idéias e toda a cultura que se seguiria.
Isto é, o mundo era constituído de analfabetos e para viver e sobreviver, a alfabetização não era uma coisa necessária, sequer básica ou essencial. Seria tema para um trabalho mais extenso, que não é o foco aqui, ou seja, o saber acumulado pela escrita, e que teria que entrar no entendimento como as pessoas se aculturavam, como adquiriam "know how" e "skill", como foram aprendidas e praticadas as profissões, etc.
Apenas por curiosidade,
pois esta afirmação levanta enorme questionamento, isto era função
dos "guilds" e dos
"master crafstmen", que pode ser sumariamente entendido pela
indicação da Wikipédia. Os guilds eram o que as universidades
são hoje e originaram quase que a totalidade das que surgiram antes da
Revoluçao Industrial. Tudo era feito em Latim e os idiomas europeus engatinhavam
e somente iriam se organizar e aparecer de fato após Gutenberg, sendo
a tradução da Bíblia o passo inicial para status de idioma
organizado nos moldes que predominam hoje. O Inglês que prevalecia, "Middle
english", não teve nenhuma versão da Biblia. No caso do Inglês
que prevaleceu, em que pese a influencia das escolhas
feitas por Shakespeare, a herança do domínio romano, a
influencia das coisas religiosas foi fundamental para a conformação
do idioma como conhecemos hoje, que começou a pesar muito depois da invenção
de Gutenberg. E isto vale para os outros idiomas. Se este projeto for aprovado,
pretendo incluir um apanhado basico para os idiomas que selecionei para nosso
trabalho.
Qualquer um que se debruce sobre qualquer coisa referente á Idade Media e ao mundo moderno, no sentido do período iniciado pelos descobrimentos, com todo seu conteúdo, deveria iniciar por entender isto. A propósito de Idade Media e Moderna, prefiro o sistema Inglês, que divide este período em Early Modern Times (mais antiga) e Later Modern Times (mais recente), juntamente com a noção de sociedades pré-industriais e sociedades industriais.
Sei que existem outros critérios, considerando por exemplo o inicio com a queda da Constantinopla, em 1453, ou do prolongamento da Idade Media até o inicio das Revoluções Liberais, que coincide com o fim do regime senhorial da Europa, pela ação das cruzadas, que tiveram forte influencia na expansão do comercio na Europa.
Creio que foram inventados para justificar escolas de pensamento e esta opção é mais "natural".
Creio também que
o evento mais importante deste período foi a introdução
do tipo móvel e a invenção do livro por Gutenberg, que
foi o principal acontecimento e que merece um entendimento minucioso.
Procuro neste artigo, mostrar como estava e como ficou, ou melhor, o que o livro
substituiu a partir de Gutenberg.
Nossa miopia provem dai.
Claro que houve benefícios, mas não precisam ser discutidos, pois que tudo foi viabilizado, bem ou mal, dentro deste método. Porem, um dos efeitos mais perniciosos desta miopia é considerar-se única e rainha e melhor que qualquer outra opção, traço este que é comum a atividades que fazem uso de livros nos moldes inventados por Gutenberg, como a ciência, por exemplo, que é o melhor exemplo de algo que se considera único, verdadeiro, melhor e insubstituível. E não é...
Introdução
Este trabalho foi estruturado da seguinte maneira:
Vou explicar com algum detalhe como ver e enxergar uma iluminura, apresentar alguns exemplos que imagino seria o que iria na cabeça de uma pessoa medieval diante de uma iluminura do exemplo apresentado.
I) Anatomia das Iluminuras
Traduzo, sintetizo, explico, comento, acrescento, subtraio da introdução do livro de Christopher de Hamel "Uma Historia de Manuscritos Iluminados" ISBN 13: 978 07148 34528, Phaidon Press Limited, 1986,... 2006.
II) Manuscritos Iluminados
Na sequencia, sob o titulo "Manuscritos Iluminados" explico como me aproximei tanto de iluminuras, como de Idade Media e de Gutenberg, ou melhor de suas Bíblias.
III)Exemplo convertendo para o método inventado por Gutenberg
Fecho apresentando uma analise do trecho do Eclesiastes nos moldes que Gutenberg criou para comparação com os exemplos iniciais de outros trechos da Bíblia feitos com iluminuras.
Por ultimo, mas não menos importante, quero frisar que usei o contexto religioso porque pensei num artigo sobre Ciências Religiosas, mas as iluminuras eram usadas para tudo que achavam que valia a pena registrar na Idade Media.
Demonstração disto é que talvez a maior coleção de iluminuras que existe fora da Europa ou de lugares onde existiram iluminuras, é a do Pierpont Museum, que versa sobre caça e não tem uma pagina sobre religião na sala onde esta guardada.
Claro que existem três Bíblias de Gutenberg neste museu e muita coisa religiosa, mas iluminuras do tipo que apresentei na introdução, não tem quase nada.
Este museu, ou Biblioteca, é um exemplo perfeito do que Gutenberg inventou.
E seu dono, paradoxalmente,
percebeu exatamente o que aconteceu quando Gutenberg inventou o tipo móvel,
tanto é que ele tem 3 (três) Bíblias de Gutenberg em seu
acervo. Cada uma vale 20 (vinte) milhões de dólares, para quem
tem os pés no chão que a modernidade houve por colocar...
I)Anatomia das iluminuras
Ingo F.Walther/Norbert Wolf - Masterpieces of illumntion
Exemplo: Les Très Belles Heures de Notre-Dame du Duc de Berry, 1380-1412
(Folio 76 verso / 77 recto)
Na foto acima, as indicações
(1) e (2) são, respectivamente, o Verso e o Recto. Os
Manuscritos Medievais parecem livros, mas não são.
Suas paginas não eram numeradas consecutivamente, que seria paginação,
mas por folios. Cada folio (latim folium = folha)
tem dois lados, chamados de recto e verso. Acima, o recto (2) é o lado
frontal e forma a pagina direita de um livro aberto. O verso (1) é as
costas e fica do lado esquerdo. O tamanho da pagina é dado pela altura
e largura, que no caso acima mede 280 x 200 mm.
(3) Margem ou borda ornamental incluindo uma moldura decorativa
(separando a miniatura/texto e a margem) e as figuras inseridas. Se as figuras
forem grotescas ou criaturas fabulosas (cf. ilustração ), são
conhecidas como "drolleries"
- brincadeiras , ou evento engraçado. A decoração da margem
aqui consiste na gavinha de uma folha rasgada
composta por folhas de videira ou hera com pontas pronunciadas.
(4) Inicial ornamentada com figuras de homens ou animais. Uma
inicial que é preenchida com uma representação, uma única
figura ou uma cena completa em miniatura.
(5) Bas-de-page (Francês = pé da pagina). Área
figurativa na parte de baixo do texto ou sob ele, ilustrada com pequenas cenas
ou "drolleries".
(6) Miniatura; aqui toma a largura da coluna.
(7) Inicial (latim, initium = começo, inicio).
A primeira letra de uma seção do texto tem proeminência
pela diferenciação e me tamanho ou tipo de escrita ou por ornamentação.
Antes da era Gótica algumas vezes preenchia uma pagina inteira.
(8)Fleuronné
inicial (Francês = florido). Ornamentação, por ex.
gavinhas ou folhas floridas, desenhadas com pena e tinta, normalmente em vermelho
e azul, usadas como iniciais decorativas.
(9)Bloco do texto, no exemplo o bloco de texto esta inserido numa
única coluna.
(10) Enchimento de linha com ornamento vermelho e azul.
"drolleries"
"Drôle"em Francês, que quer dizer pilheria, graça
ou chiste. Em Inglês, droll, algo que diverte ou é cômico.
gavinha"Tendril"em
Inglês, expansão filiforme por meio da qual as plantas sarmentosas
e trepadeiras se agarram às plantas vizinhas, ou elo, garra, abraço.
Um bom exemplo são aqueles filamentos que observamos nos cachos de uva
nas videiras, que alias é o caso acima
Os quatro sentidos da Escrita, segundo Nicolas de Lyre, poeta do século XV :
A escrita ensina os fatos,
A alegoria indica o que se precisa crer,
A moral o que é preciso fazer,
O sentido anagogico que é para onde devemos ir
O sentido anagógico é aquele que visa levar o vulgar e o medíocre para o elevado e o espiritual.
Vou fazer um ensaio para apresentar alguns dos símbolos que encontramos freqüentemente nas iluminuras da época que nos interessa.
Esta pagina não
pretende examinar o assunto exaustivamente nem ser uma referencia acadêmica!
Simplesmente espero que ajude a melhor entender aquilo se esta vendo.
O elemento de base é entender que uma iluminura não é a
versão antiga da fotografia! As duas coisas não se intercambiam:
- a fotografia representa um instante "t" da realidade de nosso mundo
- a iluminura é um símbolo que visa transmitir uma mensagem, uma
idéia
Esta é a razão por serem as iluminuras feitas:
- Sem
perspectiva
- O tamanho, as proporções e as atitudes dos personagens não
é realista
Símbolos básicos
Os Três Pontos
O três pontos em triangulo, que vemos freqüentemente utilizados como motivo de preenchimento nas placas coloridas, significam, dentre outras coisas, uma escolha entre :
- A
Sagrada Família : Jésus, Maria e José
- A Santíssima Trindade : O Pai, o Filho e o Espírito Santo
- Os três níveis do mundo vivo: o nível animal, o nível
humano e o nível divino.
Por exemplo, ver a túnica da Virgem como a apresentação do Cristo ao Templo.
Símbolos alfabéticos
As três letras IHC são as três primeiras letras da frase "Jesus Salvador dos Homens" (em grego), elas foram traduzidas para IHS ("Jesus Hominum Salvatorem" na versão latina). Cada um dos dois grupos de 3 letras significa portanto : Jesus Salvador dos Homens.
Da mesma forma, as 2 letras XP são as duas primeiras letras do nome Cristo (em grego).
O Corpo e o Sangue
No término do oficio religioso (missa), na comunhão, o pão e o vinho representam o corpo e o sangue do Cristo. O mesmo é verdadeiro para o vinho e o trigo.
O
Corpo
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