J.B.Priestley - Man and Time
Apresento um resumo para extrair a idéia que ele tem sobre Ulysses. O que estiver em vermelho não está no livro acima.
Ele abre
dizendo que a sociedade moderna, especialmente a urbana e industrial é
bastante diferente das anteriores, talvez com exceção do fim do
Império Romano (+ ou - AD 250-450).
A diferença não é apenas pelo progresso na ciência,
tecnologia, produtividade. Existem outras diferenças que não são
mencionadas.
Podemos chamar nossa sociedade de Cristã e até acreditar nisto,
mas na verdade nossa base atual é secular, não importando se afirmamos
que ela é governada por Deus, na verdade o é por leis econômicas
e políticas.
Diferentemente dos homens que nos antecederam, nós não sentimos
que nossa sociedade está contida nas crenças religiosas comuns
e por grandes mitos.
Nossa vida, como indica o Prof. Mircea
Eliade, não é mais simbólica e sacramental. Tradições
antigas não tem mais sentido. Ao menos que sejamos artistas, ou persigamos
uma vocação definida, temos que trabalhar para viver na esperança
de sermos capazes de ter recursos suficientes para conseguir as coisas boas
da vida e nos divertirmos nas nossas horas de lazer.
Porém, ainda assim, nossos ancestrais vivem em nós.
Ainda que obscura e remotamente, bem abaixo do nível típico de
consciência moderna.
E justamente quando procuramos escapar através de distrações
e diversões, pois temos muito mais disto do que jamais nenhuma sociedade
já teve, é quando damos nossas mãos com nossos ancestrais
remotos.
Existe uma diferença, claro: O que era publico, de comunhão geral,
completamente sério, degenerou-se em nós em alguma forma individual,
privada, de meramente nos divertir ou entreter ou, como dizemos, "passar
o tempo".
Isto é mais verdadeiro para as pessoas mais velhas do que para as pessoas
mais novas, talvez por estarem espiritualmente mais próximas com nossos
ancestrais do que os jovens. Talvez por sentirem que a sociedade moderna lhes
negará muitas satisfações primárias.
Isto ajuda a explicar o enorme sucesso dos heróis de filmes policiais,
dos "westerns", a popularidade dos artistas e das personalidades admiradas
na televisão.
Eles parecem existir em tudo aquilo que ficou em nós da velha atmosfera
mitológica.
Quando os jovens se entregam em admiração por estas personalidades,
eles estão tentando de forma histérica e cega restaurar em nossa
sociedade o que existiu de simbólico, mitológico e sagrado.
Ele cita como evidência o fato de que os jovens americanos se recusavam
a acreditar que James Dean morrera,
pois o julgavam imortal e continuavam a enviar cartas que se acumulavam no estúdio
onde ele trabalhou.
Quem critica este comportamento, deveria tentar entender mais nossa sociedade
e dirigir suas criticas para um exame de nossa sociedade como um todo, questionando-se
como a sociedade responde às expectativas instintivas dos jovens adolescentes.
Jovens rebeldes moços e moças podem se comportar de forma insensata,
mas é impossível que eles cresçam sem perceber que estão
se inserindo de forma fechada entre enormes e misteriosas barreiras.
E uma destas barreiras foi criada pela nossa idéia de tempo.
Não é por acidente que um dos temas preferidos na "ciência
popular" seja viagem no tempo.
Pular de era para era, saltando milhares de anos, ou dezenas, ou centenas, é
uma forma óbvia de desafiar o tempo.
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No texto original ele falou em milhares de anos e eu introduzi
dezenas ou centenas, pois que ele fala da segunda metade do século 19
e primeira do século 20, onde prevalecia esta idéia. Na segunda
metade, por exemplo, na famosa seqüência de Spielberg, De
volta para o futuro, no primeiro filme ele volta de 85 para 55, no segundo
vai de 55 para 2015, ele só viaja um pouco mais no terceiro, voltando
ao Far West em 1885, quando esgotou o assunto. Outros filmes de Spielberg sobre
viagem no tempo como no século 19, isto é, até os dinossauros,
tiveram outra aceitação. Jurassic
Park foi um sucesso financeiro, mas nao tinha historia. Terra
Nova, feito já para TV, não emplacou. Este fato esta dentro
do raciocínio de Priestley e é influencia da mesma coisa, no contexto
moderno que foi gerado pela globalização e instantaneidade de
comunicação. Priestley sabia bem disto e ajustava seus deslocamentos
de tempo mais nos moldes do De Volta Para o Futuro I e II
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Voltando a Priestley.
No século 19 e inicio do 20, queríamos escapar de uma cronologia
implacável, do esvaziar da juventude e da saúde para a senilidade
e extinção.
O grande cronista disto foi Proust.
Seu livro Em
Busca do Tempo Perdido, dispensa apresentações.
Priesley acrescenta que agora, e ele fala com uma mentalidade da década
de 30, nós temos que nos mover com mais cuidado. Ele afirma que o que
nos ajuda a descansar e divertir na ficção e no drama, além
claro de nosso interesse nos personagens e suas aventuras, é simplesmente
um tipo diferente de duração ou uma mudança de ritmo temporal.
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Mudança de ritmo temporal foi a meu ver a grande
sacada de James Joyce.
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Priestley prossegue que não podemos assumir que um romance ou peça
de teatro histórica, ou que cubra uma extensão de temo não
usual, tenha qualquer mérito especial.
Estas peças até podem ter seus admiradores, mas não tem
mérito em termos de tempo.
Ele, como é notório, afirma que poucos leitores são mais
conscientes da questão de tempo como ele, mas que isto não faz
com que ele seja preconceituoso contra romances que vão do berço
até o túmulo, onde o herói ou heroína é descrito
desde seu nascimento até sua morte, 50 capítulos depois. Normalmente
ele não gosta de romances deste tipo, e até detesta, quando estas
figuras histórias são impregnadas de uma desagradável mistura
de fato e ficção.
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Outra grande sacada de Joyce: descrever o homem comum,
o anti herói, com suas vicissitudes e mediocridade e problemas mesquinhos
de sobrevivência e não o oposto, que era a tradição
da literatura.
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Priestley prossegue afirmando que a quantidade de tempo que é usado por
um romance é de pequena importância.
O que interessa é a maneira como o tempo é tratado, dando aos
leitores ou espectadores de uma peça um tipo de duração
diferente, um ritmo temporal alterado.
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E esta longa introdução é para que ele apresente o que
ele considera as três maneiras ou métodos de propor a duração
do tempo em um romance ou peça teatral
Primeiro método
O escritor ou escritora
que já nasce com o talento, para quem Deus já forneceu tudo para
que ele ou ela escrevesse romances ou peças teatrais. Ele acredita que
estas pessoas têm um talento nato e instintivo que lhes permite manter
um fluxo de narração uniforme e macio, uma cena completa e ampla
é mantida em movimento sem nada brusco ou súbito ou quebras e
mesmo que os dias, semanas e meses tenham sido acelerados enormemente, isto
parece ocorrer de forma regular, macia e tranqüila, sem acidentes, numa
cadencia regular. É uma narrativa andando como um automóvel na
marcha mais alta.
Tolstoi é "o" mestre neste tipo de método, mas existem
autores menores que, não importando o que lhes tenha faltado, tinham
este dom raro e particular e ele cita Thackeray
como exemplo.
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Do ponto de vista deste inicio de século 21,
e com o auxilio de filmes, que são os romances e peças modernos
levados para a tela, posso acrescentar que um autor que talvez pudesse ser considerado
menor diante de um Tolstoi, que é o Woody Allen, tem a característica
de executar isto, penso que instintivamente, à perfeição.
No seu filme Meia
Noite em Paris, ele percorre três níveis de tempo de forma
absolutamente genial.
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Todos os escritores continua Priestley, que são bem sucedidos nisto,
nos fazem sentir que estamos experimentando uma memória maravilhosa.
Nós estamos no tempo, neste caso, não como nós mesmos o
fazemos normalmente, mas de uma forma astuciosa, como se fossemos meio deuses,
observando o mundo como um semideus o faria.
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A razão que me levou a
afirmar na critica dialética de Joyce (paradoxo 4) que ele não
me move e penso que a razão que faz deste livro uma obra difícil
de ler e pouco lida, é justamente a incapacidade de Joyce de conseguir
isto, pois quando ele usou a técnica que usou, ele obteve outras coisas,
que, não importando o mérito que tenham, não conseguem
ser uma memória maravilhosa como Priestley o define.
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Segundo método
O segundo método
pode ser encontrado em escritores altamente dramáticos como Dickens e
Dostoievski. Eles dão ao seu tempo movimentos secos e bruscos, trancos
e sacudidelas impacientes e repentinamente desaceleram tudo, criando cenas tremendas,
como se estivessem escrevendo para teatro. Por serem magistrais no manejo do
temo, ora acelerando implacavelmente, ou ora freando para apresentar uma cena,
como se estivessem dirigindo um automóvel a 120 klm por hora e repentinamente
baixassem para menos de 20 klm por hora, eles brincam com nossos nervos, nos
incitam a sentir excitação, muitas vezes com estranhos presságios.
Em um momento, estes escritores nos parecem irreais, em outro momento, parecem
mais reais que a vida ela mesma, mostrando-nos como a vida realmente é.
Ele previne que os leitores de Dickens que discordarem que leiam seus últimos
escritos com atenção critica.
Ele reconhece que estes escritores são excepcionalmente dotados de muitas
maneiras, mas o elemento de tempo é importante no seu trabalho. São
mestres impacientes e implacáveis do temo, nos impondo ritmos temporais
aos quais não estamos acostumados. Na medida em que nos rendemos a isto,
é como se nossa temperatura subisse.
Terceiro Método
O terceiro método
poderia ser descrito como slow motion ou câmera lenta.
Trata de episódios que num relato toma mais tempo do que levaria para
experenciá-lo na vida real.
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Ulysses demora muito mais para ler do que as horas que ele relata
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Os momentos são expandidos de tal maneira que nada que eles contenham
passe despercebido ou não registrado. É como se uma super formiga,
extremamente inteligente, familiarizada com a vida humana, começasse
a relatar ou descrever nossas falas, ações nos seus mínimos
detalhes, gestos, sorrisos e olhares. Devemos muito a Sterne
na literatura moderna, foi um precursor e um mestre triunfante deste método.
Algumas vezes em Tristram
Shandy sentimos tudo vai parar, que o fluxo do tempo cessou, que os
ponteiros do relógio estão grudados e não conseguem avançar,
que o próximo minuto se transforma num obstáculo gigante.
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Soa familiar?
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Ele prossegue dizendo que muitos escritores deste século (20) fizeram
uso deste recurso de câmera lenta, a narrativa que usa "fluxo de
consciência" seria impossível sem isto e a fuga da duração
familiar do tempo é óbvia. Nós somos magicamente transportados
para outro tempo diferente, que não apenas se move lentamente, mas também
move em pequena escala de num tempo privado e particular que pode ser usado
para criar uma estranha beleza, como em algumas obras de Virginia
Woolf, ou no memorável livro de realismo cômico (sic) Ulysses
de James Joyce.
Uma razão que parece representar nossa era é que é uma
revolta com a tirania do tempo que passa.
Ele prossegue, analisando mais com relação a peças teatrais, mas para nossas finalidades, basta.
Porém... creio que aqui merece a oportunidade para citar mais algumas coisas interessantes que Priestley faz neste livro.
Ele abre a parte 2 do livro, Metafisica do Tempo, dizendo que num dicionario de citações sobre Tempo, ele contou 288 entradas e noutro, maior, encontrou 329. Como seria de esperar (sic) muitas citações vem de Shkakespeare. Tempo como Rico, eram ua das suas palavras favoritas.
Time, em Inglês, tem sentido um tanto quanto diverso ou mais amplo que em nossa língua. Já Rich, é praticamente o mesmo.
Priestley nos informa que Shakeaspeare era assombrado pelo tempo e o desafiava. Ele observa que Shakeaskpeare falava muitas vozes, de acordo com circunstancias e estados de espírito, dando ao Tempo muitos sentidos e muitas vezes contraditórios. Ele observa que os personagens de Shakeaspeare falam o que a maioria de nós fala, mas falam melhor... Ele resiste a uma forte tentação de citar Shakeaspeare...
Ele cita Carlyle, que já não é mais lido, "That great mystery of TIME, were there no other; the illimitable, silent, never-resting thing called Time, rolling, rushing on, swift, silent, like an all-embracing ocean-tide"
Este grande mistério do tempo, (como) se não houvesse outro, o ilimitado, silencioso, que nunca-descansa chamado Tempo, rolando, avançando céleremente, rápido, silencioso, como uma abrangente onda-oceânica"
Dos contemporêneos de Carlyle, ele cita Lewis Carroll, com o Chá do Chapeleiro Maluco, onde em Carlyle o Tempo é um mistério, e em Lewis Carroll é uma piada e ambos se dão melhor que seus colegs autores, com seus julgamentos cheios de vida e platitudes sobre o Tempo, fingindo saber de tudo, quando na verdade não sabem nada...A combinação de piada com mistério nao deve ser desprezada em se tratando da ideia de Tempo.
Ele critica de forma irônica a idéia muito popular do tempo fluir como em rios, marés, correntes, tudo que sugria o movimento de água.
Ele cita Tennyson The forward-flowing tide of time, John Keble Time's waters will not ebb nor stay, Isac Watts Time, like an ever-rolling stream bears all its sons away.
A ironia consiste em que a idéia de que estes sons que estão sendo borne away, estão flutuando para o passado, alguns estiveram aqui ano passado, agora foram embora, o que parece ok se considerarmos a corrente fluir do futuro para o passado. E, neste caso, as aguas turbulentas podem ter afogado alguen ontem. Porem, se invertermo, fazendo as aguas fluirem do passado para o futuro, nnguem será born away isto é, vai morrer ou desintegrar... Estariamos todos flutuando alegres, ora flertando com Nell Twyn (cabeça ôca), Alfred the Great (O primeiro Rei Anglo Saxonico) e Chaucer (o Pai da Literatura Inglesa). É uma idéia fantástica, mas não é o que Isaac Watts tinha em mente ao escrever seu hino...
Ele reconhece porém que a água é o simbolo dos mais poderosos, aparecendo frequentemente em sonhos e pista eternamente recorrente para nosso inconsciente. Talvez a idéia do tempo como destruidor venha dai. Como o tempo nos corrói esta idéia prevalece sobre a ideia do Tempo como cura para todos os males, ou como o sábio detetive. Na verdade, fisicamente, o tempo nos muda para pior... Ele cita Emerson mencionanando sua frase "O Tempo é o veneneo mais infalilvel" (The surest poson is time."
Perdi um certo tempo com tudo isto porque gostei da imagem que ele tem no livro com o quadro de Marc Chagall pintado em 1930, chamado Time is a River without Banks, (O Tempo é um Rio sem Margens), que é sua interpretação pessoal do conceito acima, com lembranças de sua infancia - o peixe, o violino, e o relógio da familia, colocados contra um pano de fundo de um rio. Na margem, dois amantes provavelmente representam a qualidade eterna ou atemporal (timeless em Ingles...) do amor:
Last, but not least, ele dedica bastante espaço para McTaggart, sugerindo a leitura de sua obra The Nature of Existence.
Que fica aqui apenas como uma prova de que a Internet realmente é poderosa... De McTaggart apenas interessa que ele pensava que o Tempo não é real e criou uma prova relativamente difundida.
Acho bem mais facil interpretar a ilustração abaixo que ler tudo isto... O artista que pintou este quadro é desconhecido.