"Film Literacy in Africa" (Alfabetização por filmes na Africa), cit. Em "A Galáxia de Gutemberg" Marshall McLuhahn, EDUSP, 1970
O Prof. John Wilson, do
Instituto Africano da Universidade de Londres, na tentativa de utilizar filmes
para ensinar os indígenas a ler, e ao mesmo tempo educá-los, conta
que num filme especialmente preparado para mostrar os perigos de água
parada e de acúmulo de lixo aconteceu o seguinte:
Foi feito um filme, que foi passado em câmara lenta, de um homem, um Inspetor
Sanitário, mostrando cuidadosamente como uma família deve agir
para se desembaraçar de água estagnada, drenar poças, juntar
as latas vazia e guardá-las a salvo da chuva, etc.
Este filme foi mostrado a uma platéia africana de indígenas e
ao fim do filme lhes foi perguntado o que tinham visto.
Eles responderam: "uma galinha", ou alguma ave doméstica.
As pessoas que fizeram o filme ignoravam totalmente que havia uma ave nele!
Procurando tal ave, revendo o filme, com efeito confirmaram que aparecia correndo,
por momentos, pois alguém a havia assustado, uma galinha atravessando
um canto da tela.
Esperava-se que as outras cenas tivessem sido entendidas, porém lhes
escaparam completamente, porém algo que somente com grande esforço
os ingleses conseguiram ver, apanharam imediatamente.
Porquê?
Foram imaginadas toda a sorte de explicações: O movimento rápido
da galinha?
Tudo foi feito em movimento de câmara lenta, cuidadosamente, gente andando,
pegando latas, fazendo demonstrações, e tudo o mais e apenas a
galinha havia sido real para eles. Será que a ave tinha significado religioso?
O Prof. Wilson nos descreve o filme:
"Havia um movimento muito lento de um guarda sanitário caminhando,
deparando com uma lata com água dentro, pegando então a lata e
despejando a água no solo com muito cuidado. Depois disto ele esfregava
o solo para que os mosquitos não pudessem procriar ali e colocava a lata
num cesto, no lombo de um burro, para mostrar como dispor de lixo. Depois disto
as latas eram levadas cuidadosamente num local e enterradas para que não
acumulassem água. A galinha apareceu por um segundo nesta seqüência
toda.
Havia trinta pessoas na platéia, e diante da pergunta 'O que viram neste
filme?' foram unânimes em afirmar: 'Uma galinha'.
O mistério foi desfeito posteriormente, quando questionamos se viram
um homem no filme. Eles responderam que sim, porém não viram nenhum
sentido nele. Na medida que fomos pesquisando, percebemos que eles não
se fixaram em nenhuma cena ou quadro por inteiro: eles exploravam as cenas à
busca de detalhes!"
Pesquisando mais posteriormente, concluímos que uma platéia evoluída,
ocidental, acostumada a ver filmes, focaliza a vista um pouco à frente
da tela de modo a poder alcançar toda a cena.
Ou seja, tem que primeiramente contemplar a cena como um todo (que aquelas pessoas
não podiam fazer por não estarem acostumadas), comparar com uma
convenção cultural no seu imaginário, e extrair um significado.
Porque as crianças gostam de desenho animado na TV
O Prof. Wilson não
dispunha de uma televisão, mas ficaria surpreso ao verificar como os
africanos teriam respondido mais prontamente a ela do que a um filme.
Nos filmes, nós somos a câmara, na televisão somos a tela.
No filme, num cinema, a tela domina nossos sentidos e tem efeito similar ao
da realidade. Na TV, a telinha está na realidade mais ampla, abrangemos
totalmente seu conteúdo, com sacrifício dos detalhes, para os
quais ela é ruim e com um tipo de interação simplificado
que demanda pouco do nosso imaginário.
No caso das crianças vendo desenho animado, da mesma forma que os indígenas,
elas não aprenderam ainda a convenção cultural, de converter
para três dimensões, começo meio e fim, e examinam a realidade
de forma táctil, ou melhor, áudio táctil, como os indígenas,
e o desenho animado com seus componentes visuais pequenos e reduzidos (comparados
com a realidade), não demanda esforço do espectador, criando um
equilíbrio vazio e sem compromisso, apenas de sensação
de diversão.
Duma certa forma, vemos novelas da mesma forma.
Vemos barbaridades e programas tipo ratinho porque os nossos sentidos nos dizem
que aquilo não é real e excita áreas diversas de nosso
ser das que seriam excitadas se estivéssemos testemunhando aquelas coisas
ao vivo.
É importante dar ênfase ao aspecto da interação dos
nossos sentidos com aquela mídia e esquecermos por um momento qualquer
outro sentido nisto, quer moral, quer pervertido.
Aí poderemos compreender porque McLuhan teve o impacto que teve ao afirmar:
"O meio é a mensagem"
Pense na seguinte lista de símbolos possíveis inicial e associem
com esta idéia.
- Figuras
ex: A estrela da Texaco, a concha da Shell, o ninho da Nestle, etc.
- Marcas ex: Ford, Chevrolet, VW, Fiat, cigarros, bebidas, comida, etc.
- Diagramas ex: As barras da Fiat, a cruz da Chevrolet, a marca do Bradesco,
etc.
- Imagens ex: O cow boy da Marlboro, a águia americana, o urso russo,
etc.
- Sons ex: Hinos, aberturas de programas de TV, etc
- Perfumes ex: Chanel no. 5, pão fresco, jasmim, etc.
- Tato ex: Seda, aço, veludo, etc.
- Gosto ex: Comida francesa, baiana, etc. Vinhos, bebidas, etc.
- 5 sentidos Visão, audição, tato, paladar e olfato
- Religião
Imaginem as possibilidades
dos sentidos, as impossibilidades, as áreas de dúvida e o papel
que isto desempenha quando se quer explicar, educar, treinar, influenciar ou
motivar as pessoas a qualquer coisa.
Como nossa cultura é alfabética e visual, examinemos um pouco
o sentido da visão, que é essencial para a palavra tipográfica
e a "visualização" em três dimensões. Vejamos
o que McLuhan nos diz:
Uma sociedade nômade não pode ter a experiência do espaço fechado (100)
Um efeito das culturas não alfabetizadas sobre a percepção sensorial é não euclidiana, ou seja, intuitiva. O efeito mais marcante é a falta de perspectiva. Sem perspectiva não há como representar infinitude e a concepção de espaço fica radicalmente prejudicada ou alterada. Porem existem ganhos, sendo um deles a possibilidade, por exemplo, de cogitar da forma como fez Einstein com sua teoria da Relatividade.
O grande problema da Geometria Euclidiana é a suposição que todos espaços são planos e que tudo ao mesmo tempo é homogêneo - cujas propriedades não se alteram em qualquer local definido no seu espaço - e isotrópico - cujas propriedades não se alteram consoante a direção em que são consideradas, coisa que a modernidade amplamente sabe que não é assim.
Porém, ela esta de tal forma inserida na cultura alfabetizada, que os primeiros matemáticos a cogitarem de espaços curvos e outro tipo de geometria, foram severamente repudiados, sendo o caso de Lobachevski ter sido enterrado sem a presença de seus alunos como forma de protesto contra suas idéias algo que dá a medida em quanto isto afeta a concepção das pessoas.