Galaxia de Gutenberg

Marshal McLuhan

Manual do Usuario

Roque Ehrhardt de Campos
camposre001@gmail.com

Tomei conhecimento de McLuhan em 1995, trabalhando como pesquisador na Escola de Engenharia de S.Carlos, numa bolsa do CNPq cujo objetivo era melhoria da qualidade de ensino, no caso, de engenharia.
Este livro foi originalmente editado em 1962 pela Universidade de Toronto e no Brasil teve sua primeira edição em 1972, pela USP sendo os direitos autorais da Companhia Editora Nacional.
A tradução foi um trabalho conjunto de Leônidas Gontijo de Carvalho e Anísio Teixeira, sendo sua a apresentação da edição brasileira.
Eu saíra da IBM após 22 anos e não concebia fazer nada sem o uso de computador, fosse ele pessoal, fosse ele Main Frame.
As visitas que fizéramos no MIT, em Harvard, na Ohio State e outras nos EUA e a Cranfield na Inglaterra, à de Aachen na Alemanha, deixaram claro que o estudo de casos com apoio de computador era o caminho a seguir.
A USP tinha montado uma sala completa com uma quantidade suficiente de computadores para uma turma completa, mas havia uma reação contra dos professores e alunos, por razões que não interessam aqui.
Eu estava imaginando um meio de fazer algum uso prático que conseguisse ultrapassar esta barreira e que fosse academicamente algo palatável.
Foi assim que descobri McLuhan, porque a Galáxia de Gutenberg nada mais é que a historia de como os livros na forma como conhecemos hoje foram introduzidos para a humanidade e como McLuhan achava que eles estavam acabando e estávamos sendo lançados numa era similar a era que existia quando os livros foram inventados por Gutenberg na forma como ele imaginou.
Fiz um projeto, que virou um curso sobre Qualidade para os alunos da Engenharia de Produção, carregamos as máquinas da sala com um software desenhado para aquilo, todo mundo gostou e vencemos aquele obstáculo.
Aquilo tudo me pareceu que era um excelente tema para doutorado, que até pensei em fazer, mas a vida leva a gente por onde ela leva e ficou engavetado.
Ou melhor, foi substituído por um projeto sobre a Catedral Gótica de Chartres, na forma preconizada por McLuhan, que levou-me por caminhos que me pareciam totalmente fora do interesse da Academia, mas que pessoalmente me trouxeram imensa satisfação. Além de um aprendizado de como amplificar as extensões dos meus sentidos pelo uso do computador, como define McLuhan.
Embora eu não tenha disponibilizado aqui o trabalho sobre Chartres, muita coisa relacionada com ele, sobre a Idade Média eu introduzi aqui, pois tudo isto tem uma forte relação com James Joyce.
A Galáxia de Gutenberg é uma colcha de retalhos, aliás, como muito bem o percebeu a Profa. Elena Lamberti no que ela chamou de Mosaico de McLuhan.
Não fiz todos os capítulos como eu desejaria, mas fiz o suficiente para o fim que me propus e estou finalmente cumprindo aqui algo que prometi a mim mesmo lá, que era traduzir Ulysses, ou Finnegan's Wake anotado, mas não na forma convencional, mas na forma como o estou fazendo agora.
Ulysses é um fantasma que me persegue de longa data.
Comprei meu primeiro Ulysses, quando morava nos EUA em 1983, para melhorar meu Inglês, e agora percebo o quanto é valioso, porque não se edita mais e esta edição que tenho é a mais indicada para este tipo de trabalho.
O que passo a apresentar deixo como o fiz em Julho de 2011

Agosto de 2014

Apresentação

Algo escrito e anotado pode ser simplesmente algo sublinhado, um termo colorido em amarelo para chamar a atenção quando estamos lendo, porém, existem certos tipos de texto que tornam indispensável anotações indicando circunstancias da criação do argumento, contexto do autor, do assunto, da língua usada, etc.
As anotações são úteis para compreensão e relevância do assunto tratado.
Existem vários campos onde isto ocorre normalmente, destacando-se em nossa língua o direito, a lingüística, as traduções, o desenho de programas computacionais.
Em obras de caráter literário, intelectual, não é costume em Português anotar, talvez porque sugira ou pretensão indevida de quem anota ou limitação intelectual de quem lê.
Nada mais falso.
A obra por excelência que requer anotação é a Bíblia, mas pessoalmente alimento um projeto de vida que seria traduzir Ulysses, ou Finnegan's Wake de James Joyce, autor que sem anotação é absolutamente incompreensível, porém só existe isto em outras línguas, particularmente o Inglês, aliás, com auxilio dele mesmo, Joyce.
Remeto o leitor ou leitora ao comentário que insiro no tablete 113 e informo que antes de tomar conhecimento disto, eu já tinha este sonho.
No nosso caso, de McLuhan, as anotações não serão amplas como ele talvez tenha usado seus conceitos, mas serão concentradas na idéia de construir um Manual do Usuário, alias como o nome indica.
Desconheço regras ou recomendações de anotação desta natureza, uma vez que tanto quanto eu saiba, apenas as anotações de revisão de texto estão ordenadas e regradas por normas.
Tenho para mim que, no fundo, uma enciclopédia é uma anotação sobre "tudo" e aprecio sobremaneira o critério usado pela Enciclopédia Britânica, para alguma profundidade e para um conhecimento razoável, em nossa língua, gosto do Lello Universal.
Em termos de obra escrita "livro", para mim a Bíblia é imbatível e apresento um exemplo de um texto dela anotada, que encontrei pesquisando e apenas traduzi.
Não é coincidência o uso da Bíblia de Gutenberg, que é o mesmo que deu o nome para a o trabalho de McLuhan, mas a relação em si disto tudo daria um trabalho maior e que talvez um dia eu ainda encare.
Por enquanto, serve apenas para abrir uma fresta neste universo que o McLuhan nos apresenta com um conceito tão diverso do que temos sobre isto como a idéia de tempo que Einstein nos apresentou com sua teoria da relatividade, alias particularmente difícil de "anotar" .

Roque Ehrhardt de Campos
Agosto de 2011


Na forma original, usei o Word e inicio introduzindo Eclesiaste 3:6, que este editor não consegue reproduzir e quem tiver curisiodade de saber de onde veio, examine pelo word.

Resumo e referência para uso dos conceitos do livro:

A Galáxia de Gutenberg
Marshall McLuhan

Este trabalho esta pensado como um resumo de caráter utilitário, isto é, para aplicação dos conceitos em trabalhos de natureza prática.
O livro de McLuhan não tem estrutura formal e é feito como uma colcha de retalhos, ou quebra-cabeças, sendo cada peça um tablete de um mosaico.
Indico em negrito o tablete e a página onde ele se encontra. Posso deixar de incluir algum tablete por considerá-lo embutido noutro ou por não interessar para minha finalidade, mas vou pelo menos mencionar todos.
Informações históricas ou de origem somente serão citadas quando forem úteis neste sentido.
Elaborações conceituais vazias ou que não acrescentem ao objetivo, serão excluídas.
Tentei construir um diagrama de afinidades baseado nos conceitos criados por Charles Sanders Peirce, sem preocupação de exatidão metodológica. Nao tive sucesso.
Na primeira parte, sigo linearmente a mesma estrutura de McLuhan e na segunda, vou tentar agrupar os tabletes segundo esta afinidade e eventualmente surja algum método de aproximação disto.
Copio, transcrevo, condenso, explico, acrescento, subtraio, inclusive de outras fontes, como outros tabletes do mosaico, na medida em que o tema ou assunto abordado por McLuhan no tablete especifico requeira, na minha percepção.
A motivação para este trabalho é a possibilidade da criação de trabalhos com uma arquitetura dentro dos conceitos apresentados, utilizando as técnicas disponíveis, especialmente as ligadas ao computador, Internet, mídias, etc.
Estes trabalhos podem ser de treinamento, ensino, ou voltados para qualquer assunto que se queira, como por exemplo um diário ou guia de viagem ou até mesmo uma obra literária.
Em anexo amostras desta utilização.
Criticas, duvidas, indicações, comentários, são bem vindos.

Roque Ehrhardt de Campos
camposre001@gmail.com
Campinas, SP, Julho de 2011

Lista completa dos tabletes com a página onde se encontram:

(passam a ser pointers dentro do documento para acesso direto)

Apresentação da edição brasileira (Prof.Anisio Teixeira) (11)

Introdução (15)

Prólogo (17)

A Galáxia de Gutenberg (31)

Rei Lear é perfeita ilustração do processo de despojamento sofrido pelos homens, ao passarem de um mundo de papéis ou funções para um mundo de ocupações ou tarefas (35)

Rei Lear é a primeira manifestação verbal, na história da poesia, da angústia da terceira dimensão (37)

A assimilação e interiorização da tecnologia do alfabeto fonético traslada o homem do mundo mágico da audição para o mundo neutro da visão, (40)

Esquizofrenia pode ser conseqüência inevitável da alfabetização (45)

Será que a interiorização de meios de comunicação, tais como as letras, alterando a relação entre nossos sentidos, revoluciona os processos mentais? (48)

A civilização que traslada o bárbaro ou homem tribal do universo do ouvido para o da vista está agora em dificuldades com o mundo eletrônico (51)

O físico moderno sente-se à vontade com a teoria do campo, de origem em rigor oriental, ou não-ocidental (54)

A nova interdependência eletrônica recria o mundo à imagem de uma aldeia global (58)

A alfabetização afeta a fisiologia bem como a vida psíquica do africano (60)

Porque sociedades não-alfabetizadas não podem "ver" filmes e fotos sem que para isto sejam devidamente treinadas (64)

A platéia africana não pode aceitar nosso papel passivo de consumidores na presença do filme (67)

Quando a tecnologia estende ou prolonga um de nossos sentidos, a cultura sofre uma transposição tão rápida quanto rápido for o processo de interiorização da nova tecnologia (70)

É impossível construir-se uma teoria de mudança cultural sem o conhecimento das mudanças do equilíbrio relacional entre os sentidos resultantes das diversas exteriorizações de nossos sentidos (73)

O confronto no século vinte entre as duas faces de cultura - a alfabética e a eletrônica - empresta à palavra impressa papel crucial em deter o retorno à África Interior (76)

A tendência atual de reforma do alfabeto ou da ortografia é a de acentuar o sentido auditivo mais do que o visual (79)

O alfabeto é um absorvedor e transformador agressivo e militante de culturas, conforme Harold Innis foi o primeiro a mostrar (82)

O herói de Homero transforma-se em um homem dividido, ambivalente, ao assumir um ego individual (83)

O mundo dos gregos demonstra por que as aparências visuais não podem interessar um povo que não tenha antes "interiorizado" a tecnologia alfabética (87)

O ponto de vista dos gregos tanto em arte como em cronologia pouco tem em comum com o nosso, mas assemelha-se muito ao da Idade Média (90)

Os gregos inventaram suas novidades artísticas e científicas depois da interiorização do alfabeto (93)

A continuidade das artes medieval e grega foi assegurada pelo elo entre caelatura ou gravação e iluminura(96)

A crescente importância do visual entre os gregos os desviou da arte primitiva que a idade eletrônica agora reinventa depois de ter interiorizado o campo unificado da simultaneidade elétrica (99)

Uma sociedade nômade não pode ter a experiência do espaço fechado (100)
.
Em muito da arte e do pensamento modernos, primitivismo fez-se o clichê comum e da moda (104)

"A Galáxia de Gutenberg" tem o propósito de mostrar por que a cultura do alfabeto predispõe o homem a dessacralizar seu modo de ser (107)

O método do século vinte é usar não um único porém muitos modelos para a exploração experimental - a técnica do juiz suspenso (109)

A tipografia domina apenas um período (o terço final) da história da leitura e escrita (113)

Até agora cada cultura tem constituído para as sociedades uma fatalidade mecânica: a interiorização automática de suas próprias tecnologias (115)

As técnicas de uniformidade e repetibilidade foram introduzidas em nossa cultura pelos romanos e pela Idade Média (117)

A palavra moderno foi termo de reproche usado pelos humanistas patrísticos contra os escolásticos medievais que desenvolveram a nova lógica e a nova física (120)

Na Antigüidade e na Idade Média ler era necessariamente ler em voz alta (124)

A cultura manuscrita é uma espécie de conversação, mesmo porque o escritor e seu auditório se achavam fisicamente ligados pela forma de recitação que era o modo de publicação dos livros (126)

Manuscrito deu forma às convenções literárias medievais em todos os níveis (129)

Parte I:

Conteúdo e análise dos tabletes

A Galáxia de Gutenberg
Marshall McLuhan

Apresentação da edição brasileira (Prof.Anisio Teixeira) (11)

Um dos pensadores do pensamento contemporâneo.
Apresenta um novo ângulo pelo qual procura desvendar as origens e o modo por que se formou o que chamamos o espírito moderno, nossa visão do mundo, nosso modo de ser e existir, nossa cultura.
Ele não pensa ideologicamente, teorizando sobre a natureza humana ou a sociedade, mas é como se revelasse uma fotografia, buscando ver e descrever o que se passou com a evolução do homem em desenvolver-se e criar seu mundo, inventando as tecnologias que estenderam os sentidos e o poder de formar suas culturas.
Nós nos tornamos "indivíduos", somos "publico", pertencemos ao "Estado" e às "Nações", possuímos "pensamento cientifico", somos "secularizados", porque somos homens Gutemberguianos e McLuhan desconstroi isto com tal penetração e originalidade, que provoca verdadeira vertigem quando percebemos onde ele quer chegar.
Ele já apontava no fim dos anos 60 algo que está explodindo diante de nossos olhos, estamos voltando a cultura tribal de períodos anteriores, aliás em obra posterior ele menciona a "Aldeia Global" no fim dos anos 60, inclusive apontando para o problema da guerra e da paz (seu livro chama-se "Guerra e Paz na Aldeia Global".

Introdução (15)

A abordagem usada é dividir os problemas por campo, sob forma de mosaico de dados e citações que evidenciam e comprovam o campo, mosaico ou problema.
A Galáxia, que originou o nome do livro, no caso, é ela própria o mosaico de formas em perpétua interação operando uma transformação caleidoscópica.
Poderia ser substituída por Meio Ambiente a Galáxia.
Qualquer nova tecnologia de transporte ou de comunicação tende a criar seu respectivo meio ambiente humano.
Podemos exemplificar como tecnologias o manuscrito e o papiro, o estribo e a roda, criadores de ambientes únicos de enorme alcance. Os ambientes tecnológicos não são recipientes puramente passivos de pessoas, mas ativos processos que remodelam pessoas e igualmente outras tecnologias.
A passagem da roda para o uso da eletricidade foi uma das maiores mudanças que se tem noticia.
A impressão por tipos moveis criou um ambiente totalmente inesperado: o publico, coisa que os manuscritos não conseguiram no seu tempo.
As nações, como viriam a ser conhecidos certos grupos, não precederam nem podiam preceder a tecnologia de Gutenberg, bem como não poderão sobreviver como tal com o poder que o circuito elétrico tem de envolver totalmente todos os povos com todos outros povos.
O "Público" criado pela palavra impressa esteve na intensa autoconsciência visualmente orientada tanto de individuo como de grupo. As conseqüências desse intenso acento visual com o crescente isolamento do sentido da vista dos demais sentidos são apresentados neste livro.
O tema é a extensão das modalidades visuais de continuidade, uniformidade e conexão tanto da organização do tempo como do espaço.
O circuito elétrico (leia-se computador, Internet) não facilita a extensão das modalidades visuais em grau que de algum modo se aproxime do poder visual da palavra impressa.
O confronto destas novas tecnologias elétricas ou eletrônicas, com a mecânica, ou seja, da palavra impressa, vai provocar uma reconfiguração da Galáxia, ou do meio ambiente, que McLuhan previa no inicio dos anos 60 e que esta acontecendo plenamente neste inicio de século 21.

Prólogo (17)

Como este resumo tem caráter utilitário, informações históricas ou de origem somente serão citadas quando forem úteis neste sentido, como já informei.

Neste prólogo ele indica outros autores que se dedicaram ao mesmo tempo e estudos clássicos da literatura da primeira metade do século 20 indicam que estudos comparativos de Homero, o primeiro e mais famoso bardo, assim como os bardos modernos, visavam:

"fixar com exatidão a forma da poesia épica oral (...) Seu método consistiu em observar bardos iugoslavos trabalhando numa florescente tradição de canções não escritas e a observação de que suas canções dependiam para serem aprendidas que eles as aprendessem a praticar sua arte sem ler e escrever"

É crucial percebermos que além desta característica básica, que este livro usa para explicar do ponto de vista da influencia da eletricidade (leia-se eletrônica, Internet) o que ocorreu ali, nós estamos hoje tão avançados na era da eletricidade quanto os elisabetanos se achavam, então, na da tipografia e mecânica. Experimentamos as mesmas conclusões e indecisões que eles sentiram por viverem simultaneamente em duas formas contrapostas de sociedade e experiência. Enquanto os elisabetanos se viam colocados entre a experiência corporativa medieval e o individualismo moderno, nós invertemos a sua posição, confrontando uma tecnologia elétrica (leia-se eletrônica, Internet) que parece tornar o individualismo obsoleto e a interdependência corporativa compulsória.

Ou seja, grifo meu, Roque, voltamos à condição pré Gutemberg!

A Galáxia de Gutenberg (31)

Antes de entrar no livro, à guisa de aviso aos navegantes para os obstáculos que nos esperam, quero fazer algumas considerações (Roque)

McLuhan apresenta uma dificuldade notória: Veja por exemplo a resenha que esta na Internet em

http://www.goodreads.com/review/show/108196632

I didn't finish this book. It was enough of a slog that I figured I'd muddle my way through it, but intersperse other books along the way, but no. I suddenly came to the realization that I had no idea what I was reading. I'd made it almost 100 pages, and all I had retained from those pages was that he starts the book discussing King Lear, but I don't know why, and that people from literary cultures apparently see differently than people from non-literary cultures. That's all. It was one of those books where you understand all the words, but ultimately have no idea what the sentence they form actually says.

It doesn't help that McLuhan made extensive use of quotations from his source material. And when I say extensive I mean both in number and in size. In many cases, he quoted several paragraphs at a time. And since most of his sources are from research papers and the like, their intended audience is experts, and possibly interested and educated amateurs. They are not directed at the average layman, and by quoting so extensively instead of synthesizing, McLuhan did not make his book very accessible. I'm not normally one to advocate dumbing things down to the lowest common denominator, but your audience does need to be taken into consideration when writing a book that, as far as I know, was intended for general consumption.

Consider the following sentence: "Of course, it could be argued that a lyric disposition to applaud the audile-tactile gropings of child and cave art betoken a naive and uncritical obsession with the unconscious modes of an electric or simultaneous culture." (83) It's probably even less clear with no context, but I honestly have no idea what that sentence means. That was what really made me realize that if nothing I'm reading means anything to me, there's simply no point in continuing.

One thing I did find interesting is that, contrary to what Nicholas Ostler said about how writing systems have never changed speech patterns, McLuhan states directly, "writing affects speech directly, not only in its accidence and syntax, but also its enunciation and social uses." (48)

Anyway, I tried this, and found that I barely understood anything in it, so I'm leaving it. Sorry, Mr. McLuhan. I'm sure your book is as genius as everyone says it is. But it's too smart for me.

Podemos afirmar sem medo de errar que seus conceitos são:

Ininteligíveis
Parcialmente compreensíveis
Levam a uma compreensão falsa
Levam a uma compreensão errônea
Não dá para saber onde ele quer chegar
Excessivamente intelectualizado
Excessivamente sofisticado

Mas, para mim, que não sei até onde consegui efetivamente entendê-lo, me pareceu genial.
Claro que vou tentar ultrapassar isto da melhor forma possível, mas aviso aos navegantes para que eu não aumente a plêiade de seguidores de McLuhan que parecem mais estar fazendo algum numero de stand up comedy pelas coisas que escrevem.
Caso o leitor ou leitora ainda não tenha já esta percepção, remeto à Internet e sugiro que pesquisem no Google "McLuhan basics" e comprove o que estou dizendo. Um exemplo perfeito é:

http://www.gingkopress.com/02-mcl/z_mcluhan-and-the-senses.html

Aceito discordância. Mas por favor me informem o que quer dizer:

A language that treats the present effectively must be exploratory or disorienting rather than explanatory or familiar. The familiar obstructs perception, stressing the common orientation.

Se eu fosse cego, como é o caso real diante do desconhecido que enfrentamos, e eu fosse atravessar uma avenida com trafego intenso e não estivesse familiarizado com o sinal, o botão que aperto para segurar o trafego, não soubesse a distancia que me separa da outra calçada, pergunto, como eu vou atravessar esta rua sem ser atropelado?

Talvez meu ponto tenha sido feito melhor por Robert Fulford, seu conterrâneo, em comemoração ao seu centenário, que aconteceu dia 21 de Julho de 2011:

Robert Fulford: Marshall McLuhan, the man who invented 'communications'

When Marshall McLuhan was alive, teaching at the University of Toronto and writing his books about communications, it was hard to find two people who agreed on his importance. Opinions ranged from contempt to adulation. No one else in Canadian intellectual life created so much angry controversy.
There were those who considered him a charlatan because he published his thoughts in casual, untested form, often as slogans like "The medium is the message" - not an acceptable style for a real professor. Others believed that he was celebrating both the end of books and the rise of television. Even those who thought him a genius disagreed about what his ideas meant.
Now, 31 years after his death, he remains controversial but he's rarely ignored. He's quoted in all the best places, his ideas often borrowed to help explain Facebook, Mad Men or some other phenomenon he didn't live to hear about. The New York Times never gets through a year without citing him a dozen times.
He's acknowledged as the chief inspiration of communications as an academic discipline. (Admittedly, it's not very academic and not noticeably disciplined, but …) That's one reason the centenary of his birth (July 21, 1911) is being elaborately celebrated by a network of academics banded together under the name "McLuhan in Europe 2011."
During this year, they're holding 15 conferences across the continent, from Manchester and Brussels in the West to Budapest and Riga in the east. In Barcelona last month, Manuel Castells, a sociologist of information, said McLuhan rewrote everyone's way of understanding the most crucial human activity, communications. He opened areas of research that continue to blossom. What he said was valuable, but in Castells' view it mattered even more that "in the way of the great thinkers," he helped others to think differently.
In Toronto, the McLuhan Program in Culture and Technology at the University of Toronto is running a series of seminars and as visual background has installed site-specific works of art on McLuhanite themes in the Atrium at the MaRS innovation centre and on the hallowed walls of the Coach House, where McLuhan held many seminars in his last years.
McLuhan infuriated many readers of his work by his oblique and sometimes impenetrable style. He seldom wrote or spoke a simple sentence because he had no use for smooth, persuasive prose. I believe he thought that words that are easy to read are also easy to ignore and forget. He liked writing that was barbed and thorny; he admired Ezra Pound's essays.
Another reason he was misunderstood was that his listeners seized on him for their own purposes. Television people, flattered by his attention, believed that he took them as seriously as they took themselves and that he even admired what they did. But McLuhan disliked television; he watched it only enough to know he didn't enjoy it.
He didn't judge it in print, however. He preferred instead to describe what he observed. So it was easy to think he accepted the new media. In fact, he was essentially bookish. His PhD from Cambridge only began his education. He learned most from early 20th century culture, such as Cubist painting and Joyce's Ulysses. Applying the insights of highbrow art to mass culture was probably his shrewdest single move.
This week, an English artist, Simon Poulter, working on a film about McLuhan, brought his camera into my office and quizzed me for an hour on how McLuhan looks to me now and what I remember about him. I admired him, learned from him, defended him against the jeers of fellow journalists, criticized him, argued with him, interviewed him for print, radio and TV.
Simon had with him a copy of a 1964 letter he had found in the archives at McMaster University, Marshall's response to my review in Maclean's of Understanding Media. It began in true McLuhan form:

"It's amazing that you got anything out of my writing at all, since you misconceive my entire procedure." I had criticized his habit of frequent repetition but he explained that was essential to his method. He explained that the extension of the nervous system in the electric age had led to "the complete break with 5,000 years of mechanical technology," a point I had failed (in his view) to appreciate.
But he ended, also in McLuhan style, "I do value your friendly approach." I valued his too and I'm glad to be reminded that he's become, as he deserves to be, an established part of the 21st century.

Comento (Roque) o que grifei acima dentro do espírito anunciado de manual do usuário.

Ainda vou traduzir o artigo acima, mas como ha muito trabalho pela frente, vou criar esta edição, misturar as línguas, que creio que quem estiver lendo domine.

The medium is the message
O meio é a mensagem

Esta frase é das que mais causam confusão no entendimento de McLuhan.
Para que estiver apenas folheando e não tiver paciência de ler tudo, remeto ao que apresentei sobre o tema:

Porque sociedades não alfabetizadas não conseguem "ver" filmes e fotos (64)

Ezra Pound's essays
Ensaios de Ezra Pound

Apesar de que sou professor de Inglês, não me considero autoridade na língua, mas mais por gosto que por necessidade, tenho noção, ainda que educada apenas, sobre quem é quem na língua inglesa.

Pound foi sempre contestador. Ele discordava da idéia da poesia como sendo um ensaio moral em versos e era frontalmente contra a corrente da época que ele pertenceu.

Ezra Pound não me é atraente, tem coisas sobre sua passagem pela existência difíceis de se aceitar, como por exemplo, sua adesão ao fascismo, seu anti-semitismo e, na minha ignorância, acho ele meio parecido com Gertrude Stein, isto é, reconhecidamente gênios, porém com trabalhos difíceis de se apreciar com gosto. Foram ambos promotores dos grandes escritores da época, ou seja, Hemingway, James Joyce, Robert Frost, DH Lawwrence, Yeats e Adlington, que são bem mais palatáveis, talvez com a exceção de James Joyce, que é um caso totalmente à parte.

Pound fez coisas tão absurdas nas décadas de 30 e 40, no sentido do politicamente correto com relação aos "aliados", que somente a hipótese que já fosse sintoma de sua loucura poderiam explicar os posicionamentos que tomou, que o levaram preso para os EUA no fim da guerra.

Seria hoje o que se diz extrema direita.

Ele ficou preso de 45 a 58 e foi solto pelo superintendente do manicômio onde estava internado, que se baseou num atestado de que ele estava permanentemente e incuravelmente insano.

Ele foi para a Itália, onde ficaria até 72, e ao chegar foi fotografado saudando no gesto fascista tradicional e ao ser perguntado quando fora libertado do manicômio, respondeu! "Nunca.Quando eu sai do hospital, eu ainda estava na América e aquilo é um vasto manicômio".

Para nossa finalidade, que é utilitária com relação aos nossos objetivos, interessa que de Pound, McLuhan extraiu conceitos do:

Extraído de http://en.wikipedia.org/wiki/Ezra_Pound

Imagism

Further information: Des Imagistes

A Encyclopaedia Britannica tem um excelente artigo sobre ele.

Um exemplo de Hayku:

The apparition of these faces in the crowd;
Petals on a wet, black bough.

"It's amazing that you got anything out of my writing at all, since you misconceive my entire procedure." I had criticized his habit of frequent repetition but he explained that was essential to his method. He explained that the extension of the nervous system in the electric age had led to "the complete break with 5,000 years of mechanical technology," a point I had failed (in his view) to appreciate.
But he ended, also in McLuhan style, "I do value your friendly approach." I valued his too and I'm glad to be reminded that he's become, as he deserves to be, an established part of the 21st century.

Que vale a pena traduzir:

"É incrível que, ao fim de tudo, você tenha obtido alguma coisa da minha escrita, uma vez que você não compreendeu o meu procedimento inteiro." Eu havia criticado o seu hábito de repetição freqüente, mas ele explicou que era essencial para o seu método. Ele explicou que a extensão do sistema nervoso na era elétrica levou à "ruptura total com 5.000 anos de tecnologia mecânica", um ponto que eu tinha falhado (na sua opinião) em apreciar.
Mas ele acabou, também no estilo McLuhan, "Eu aprecio sua abordagem amigável." Eu apreciava a dele também e eu estou contente de ser lembrado de que ele se tornou, como ele merece ser, uma parte estabelecida do século 21."
Vou aproveitar estas afirmações de McLuhan feitas a Robert Fullford e discuti-las à luz de um exemplo, para o qual pode-se afirmar a mesma coisa, isto é:


Joyce's Ulysses

Ele é considerado por Ezra Pound como "o" poeta do imagismo.

Ele nasceu de família rica, mas o alcoolismo do pai o destruiu e o jogou na pobreza, ainda em idade de depender do pai.

Talvez um dos mais irlandeses de todos os irlandeses, rejeitou a fé católica aos 16 anos. Mas Tomas de Aquino permaneceu para sempre uma das mais fortes influencias de sua obra. Transcrevo da Wikipedia:

Ulisses

1922 foi um ano fundamental na história do modernismo na literatura de língua inglesa, com a publicação tanto de Ulisses quanto do poema The Waste Land, de T. S. Eliot. Em seu romance, Joyce utiliza-se do fluxo de consciência, da paródia, de piadas e virtualmente todas as demais técnicas literárias para apresentar seus personagens. A ação do livro, que se desenrola em um único dia, 16 de junho de 1904, situa os personagens e incidentes da Odisséia de Homero na Dublin moderna e representa Odisseu (Ulisses), Penélope e Telêmaco em Leopold Bloom, sua esposa Molly Bloom e Stephen Dedalus, cujos caracteres contrastam com seus altivos modelos, parodiando-os. O livro explora diversas áreas da vida dublinense, estendendo-se sobre sua degradação e monotonia. Ainda assim, o livro também é um estudo afeiçoadamente detalhado sobre a cidade, e Joyce afirmava que se Dublin fosse destruída por alguma catástrofe, poderia ser reconstruída tijolo por tijolo, usando como modelo sua obra. Para atingir este nível de precisão, Joyce usou uma edição de 1904 do Thom's Directory - uma obra que listava os proprietários e/ou possuidores de cada imóvel residencial ou comercial da cidade. Ele também soterrava amigos que ainda viviam na cidade com pedidos de informação e esclarecimentos.
O livro consiste em dezoito capítulos, cada um cobrindo aproximadamente uma hora do dia, começando por volta das 8 da manhã e terminando em algum ponto após 2 da madrugada seguinte. Cada um dos dezoito capítulos emprega seu próprio estilo literário. Cada um deles também se refere a um episódio específico da Odisseia de Homero e tem associado a si uma cor, arte ou ciência e órgão do corpo humano. Esta combinação de escrita caleidoscópica com uma estrutura extremamente formal e esquemática é uma das maiores contribuições do livro para o desenvolvimento da literatura modernista do século XX. Outras são uso da mitologia clássica como a armação para a construção do livro e o foco quase obsessivo nos detalhes exteriores num livro em que muito da ação relevante ocorre dentro das mentes dos personagens. Ainda assim, Joyce queixou-se: "talvez eu tenha supersistematizado Ulisses," e minimizado as correspondências míticas pela eliminação dos títulos dos capítulos, emprestados a Homero.

Legado

Com a erupção da Segunda Guerra Mundial, Joyce teve de deixar Paris e por fim voltou a Zurique, quase cego, em 1940. No começo do ano seguinte, morre de úlcera duodenal perfurada e peritonite generalizada, durante uma operação para salvar sua vida . Está enterrado no Cemitério de Fluntern, naquela cidade, junto com Nora.
A obra de Joyce foi submetida a pesquisas intensas por estudiosos de todos os tipos, e ele é um dos autores mais notáveis do século XX. Também foi influência importante para autores tão diversos quanto Beckett, Jorge Luis Borges, Flann O'Brien, Máirtín Ó Cadhain, Salman Rushdie, Thomas Pynchon, William Burroughs e muitos outros. Haroldo de Campos considera sua obra, em prosa e em verso, de importância central para a poesia posterior a ela.
A influência de Joyce também se faz sentir em campos alheios à literatura. A frase "Three Quarks for Muster Mark", no Finnegans Wake, é a fonte para a palavra quark, na Física, que designa um dos muitos tipos de partícula elementar. O nome foi proposto pelo físico Murray Gell-Mann. O filósofo francês Jacques Derrida publicou um livro sobre o uso da linguagem em Ulisses, e o filósofo americano Donald Davidson fez o mesmo com o Finnegans Wake, comparando-o com Lewis Carroll.
Celebra-se anualmente a vida de Joyce no dia 16 de junho, o Bloomsday, em Dublin e num número cada vez maior de cidades ao redor do mundo. Em 2004, a capital irlandesa realizou o festival Bloomsday 100, que durou cinco meses (de abril a agosto) e se propunha a reaproximar a cidade e a obra de seu estimado filho. Um dos maiores eventos foi um café da manhã para milhares de pessoas na O'Connell Street, a principal da cidade.
Recentemente, até aqui em Campinas, SP, Brasil, foi comemorado o Boomsday.
Resumindo
A dificuldade que é criar pela palavra escrita a idéia do que era Dublin é o maior libelo para se entender como a palavra limita, como é preciso complicar quando se esta limitado por este tipo de "mídia.".


A Galáxia de Gutenberg (31)

Um conceito de McLuhan que neste livro ele abre explicando e que percorre todo o livro é a questão da perspectiva tridimensional verbal na literatura em oposição ao que ele afirma ser

"A escolha arbitraria de uma única posição estática (que) cria um espaço pictorial com ponto de fuga."

Que tem como conseqüência:

"Esse espaço pode ser preenchido trecho por trecho e difere inteiramente do espaço não pictorial em que cada coisa simplesmente ressoa ou modula seu próprio espaço visualmente em forma bidimensional."

Ele usa varias formas para demonstrar isto ao longo do livro, e abre com a peça de Shakeaspeare Rei Lear, como:

"Perfeita ilustração do processo de despojamento sofrido pelos homens, ao passarem de um mundo de papéis ou funções para um mundo de ocupações ou tarefas."

McLuhan usa o exemplo da peça de Shakeaspeare para explicar a modificação ocorrida quando da introdução da cultura a partir de livros impressos com a tecnologia de Gutenberg, discutindo a questão da visualização empregada pelo autor.
Embora isto reconhecidamente tenha ocorrido e McLuhan tenha razão ao afirmar que Shakeaspeare foi o primeiro a usar perspectiva tridimensional, o exemplo é terrivelmente ruim para entender o que isto significa.
Os homens passaram de um mundo de papéis para um mundo de tarefas.
Ele afirma ainda que Cervantes com seu D.Quixote teria tido a mesma idéia e creio que a obra de Cervantes se presta muito mais para entendermos o que estava acontecendo com a modificação de visão de mundo que Rei Lear. Talvez eu o faça em separado, já que ele mesmo não o fez, mas por ora, vamos nos ater ao livro.
O mundo da audição é mágico e o da visão é neutro e isto provoca uma destribalização e uma ruptura entre o coração, centro do efeito de ver o mundo oralmente e do cérebro, centro de ver o mundo pela visão.
Ele chama esta ruptura entre a mente e o coração de esquizofrenia, que em Inglês usa a palavra "split", que é rompimento ou divisão em duas, como ó caso da esquizofrenia.
Acho muito oportuno repetir aqui as considerações que ele faz indicando que:

"...Cícero, o enciclopédico e sintetizador do mundo romano, quando investiga o mundo grego, reprova Sócrates por ter sido o primeiro a criar uma cisão entre o espírito e o coração. Os pré-socráticos, em geral, encontravam-se ainda numa cultura não alfabetizada. Sócrates achava-se na confluência entre aquele mundo oral e a cultura visual e alfabetizada. Mas nada escreveu. A Idade Média considera Platão como simples escriba ou amanuense de Sócrates. E Tomas de Aquino considerava que nem Sócrates nem Nosso Senhor puseram por escrito seus pensamentos, porque a espécie de interação das mentes que é ensinar não é possível por meio da escrita, conforme ele cita em latim e eu transcrevo: Utrum Christus debuerit doctrinam Suam Scripto tradere. Summa Theologica, 3ª parte, q.42, at. 4.!

McLuhan faz uma interessante consideração sobre o que nós consideramos como "civilizado", que é a cultura estruturada sobre livros escritos pelo processo inventado por Gutenberg, na verdade é uma coisa grosseira e um retorno a barbárie, quando comparada ao tipo de civilização que o sistema do uso do alfabeto fonético e as escritas a ele associadas produziram.
Outro aspecto que ele enfatiza que o tipo de orientação visual auditiva, oral que havia na mentalidade não alfabetizada eram muito mais propícios aos modernos conceitos mais avançados sobre arte e ciência e que sofremos um atraso por isto.
Ele acha que o uso da eletricidade (leia-se eletrônica, Internet, computador), nos empurra de volta para uma orientação no sentido anterior, coisa que, gera uma controvérsia ignorante que se agarra no "conteúdo", quando a chave do problema esta no processo.
A leitura dos manuscritos da cultura oral, como as iluminuras, por exemplo, era coisa demasiado lenta e desigual e jamais conduzia a um ponto de vista fixo ou seja, o habito profundamente arraigado em nós "cultos", de deslizar firmemente em planos únicos de pensamento e informações.

Aproveito e insiro o seguinte:

SIMBOLISMO (nas iluminuras) (ver)

Voltando à Galáxia de Gutenberg, sobre o perigo do uso da maquina (56)

Sobre visão "cientifica" e uso da máquina e seu efeito sobre o homem:

"Quando Tzu-Gung viajava através das regiões ao norte do rio Han, viu um velho trabalhando em seu horto. O homem tinha cavado um canal para irrigação. Descia a um poço, trazia uma vasilha dágua nos braços e despejava-a no canal. Conquanto seus esforços fossem tremendos, os resultados pareciam muito deficientes. Disse Tzu-Gung:

"- Há um meio pelo qual podereis irrigar uma centena de canais num só dia e com que podereis realizar maior tarefa com pouco esforço. Não gostaríeis de ouvir sobre isso?"

O horticultor levantou-se, então, fitou-o e perguntou: - E qual seria esse meio?

Tzu-Gung respondeu:

"- Tomareis de uma alavanca de madeira, pesada numa ponta e leve na outra. Podereis, desse modo, trazer a água para cima com a mesma rapidez com que ela brota. É o que chamamos monjolo de poço."

A cólera transpareceu logo no rosto do homem, e ele disse:

"- Ouvi meu mestre dizer que quem quer que use máquina acaba fazendo tudo como se fosse uma máquina. Aquele que faz seu trabalho como uma máquina passa a ter o coração à semelhança da máquina, e aquele que traz o coração de uma máquina no peito perde sua simplicidade. Aquele que perde a simplicidade torna-se inseguro na humana lida de sua alma. A insegurança nas lides da alma é algo que não se harmoniza com o senso honesto da vida. Não é que não saiba de tais recursos; é que sinto pejo de usá-los."

Evidentemente esse pequeno conto antigo revela muita sabedoria, pois "insegurança nas lides da alma" talvez seja uma das mais apropriadas descrições da condição do homem em nossa crise moderna: a tecnologia e a máquina espalharam-se pelo mundo até um ponto que nosso sábio chinês não teria podido sequer suspeitar.

A espécie de "simplicidade" considerada pelo sábio é produto mais complexo e sutil que tudo que pode produzir uma sociedade em que a tecnologia e a vida dos sentidos são especializadas. Mas talvez o valor real da história está em que impressionou Heidenberg

Independente de toda questão de valores, o que temos de aprender hoje é que nossa tecnologia elétrica tem conseqüências para nossas percepções e hábitos de ação mais comuns e que tais conseqüências estão recriando rapidamente em nós os processos mentais dos homens mais primitivos.

Elas não afetam propriamente nossos pensamentos e ações, matéria em que estamos treinados para ser críticos, mas afetam nosso mais comum senso de vida, o qual cria os vértices e as matrizes de pensamento e ação. Este livro procurará explicar porque a cultura tipográfica da palavra impressa confere ao homem uma linguagem de pensamento que o deixa completamente desarmado para enfrentar a linguagem de sua própria tecnologia eletromagnética. A estratégia a que qualquer cultura deve recorrer num período como esse foi indicada por Wilhelm von Humboldt:

Com os seus objetos vive o homem principalmente - de fato, visto que seu sentimento e sua atuação dependem de suas percepções, pode-se dizer exclusivamente - como a linguagem os traduz e a ele os apresenta. Pelo mesmo processo com que tira de si mesmo o fio para tecer a linguagem, o homem nela se aprisiona; e cada língua traça um círculo mágico em torno do povo ao qual pertence, círculo do qual nenhum homem pode escapar, salvo saindo dele para entrar noutro(cit.Cassirer, em Language and Myth, pg 9)).

A consciência de tal situação é que veio criar, em nossos tempos, a técnica do juízo suspenso, pelo qual podemos transcender as limitações de nossas próprias suposições, submetendo-as ao espírito crítico. Podemos agora viver, não apenas anfibiamente em dois mundos divididos e distintos, mas pluralisticamente, em muitos e simultâneos mundos e culturas. Não estamos, como anteriormente, limitados a uma só cultura - a uma única razão e proporção entre os sentidos humanos - do mesmo modo que já não nos reduzimos a um só livro, ou uma só língua, ou uma só tecnologia. Culturalmente, nossa necessidade hoje em dia é a mesma do cientista que, vigilante e atento, busca lucidamente corrigir as limitações, desvios e unilateralidades dos instrumentos de pesquisa. Compartimentalizar o potencial humano por culturas únicas, cedo se fará tão absurdo quanto se vem tornando a especialização por matérias ou disciplinas. Não é provável que nossa era seja mais obsessiva que qualquer outra, mas tornou-sé, como nenhuma outra, conscientemente sensível ao fato da obsessão e às condições que a promovem. Contudo, nosso fascínio por todas as fases do inconsciente, pessoal e coletivo, bem corno por todos os modos de consciência primitiva, começou no século dezoito com a primeira reversão violenta contra a cultura tipográfica e a indústria mecânica. O que começou como "reação romântica" para a volta à inteireza orgânica pode ou não ter apressado a descoberta das ondas eletromagnéticas. Mas certamente as descobertas eletromagnéticas recriaram o "campo" simultâneo de todos os negócios humanos, de modo que a família humana existe agora sob as condições de uma "aldeia global".

Vivemos num único espaço compacto e restrito em que ressoam os tambores da tribo. E isto, em tal grau, que a preocupação pelo "primitivo" é hoje em dia tão banal quanto a do século dezenove pelo "progresso" e igualmente irrelevante para nossos problemas.

A nova interdependência eletrônica recria o mundo à imagem de uma aldeia global (58)

Seria, por certo, de surpreender, se a descrição que Riesman faz dos povos dirigidos pela tradição não correspondesse ao conhecimento que Carothers nos dá das sociedades tribais africanas. Seria igualmente de espantar se o leitor comum de descrições de sociedades primitivas não fosse capaz de vibrar com profundo sentimento de afinidade ante tais relatos, uma vez que nossa nova cultura da era de eletricidade volta a dar base tribal a nossas vidas. Temos à mão o testemunho lírico de um biólogo muito romântico, Pierre Teilhard de Chardin, em seu Phenomenon of Man (O fenômeno humano) (pág. 240):

"Ora, até o ponto em que - sob o efeito dessa pressão e graças à sua permeabilidade psíquica - os elementos humanos se infiltrarem cada vez mais um no outro, suas mentes (misteriosa coincidência) ficaram mutuamente estimuladas com essa proximidade. E assim, como que dilatadas em si próprias, cada uma estendeu pouco a pouco o raio de sua influência sobre a terra que, por esse mesmo motivo, se via cada vez mais contraída. O que, de fato, estamos vendo acontecer no paroxismo moderno, já foi dito e redito muitas vezes. Através da descoberta de ontem da estrada de ferro, do automóvel e do aeroplano a influência física de cada homem, antigamente restringida a poucos quilômetros, estende-se agora a centenas de léguas ou mais. Melhor ainda: graças ao prodigioso evento biológico representado pela descoberta das ondas eletromagnéticas, cada indivíduo encontra-se doravante (ativa e passivamente) simultaneamente presente, em terra e mar, em todo recanto da terra."

As pessoas de inclinação literária e crítica consideram a estridente veemência de Chardin tão desconcertante quanto seu cândido entusiasmo pela membrana cósmica que se estendeu em torno do globo com a expansão elétrica de nossos vários sentidos. A exteriorização de nossos sentidos cria o que Chardin chama a "noosfera", ou seja, o cérebro tecnológico do mundo. Ao invés de transformar-se em uma vasta biblioteca alexandrina, o mundo converteu-se num computador, num cérebro eletrônico,exatamente como numa peça infantil de ficção científica. E como nossos sentidos saíram para fora de nós, o Big Brother entrou, tomando-lhes o lugar. Deste modo, a menos que tenhamos consciência dessa dinâmica, entraremos numa fase de terror pânico, perfeitamente característica de um pequeno mundo ressonante de tambores tribais, de total interdependência e de forçada coexistência. É fácil perceber sinais desse pânico em Jacques Barzun que se manifesta como um indômito e feroz "luddite"( Participante de um grupo de trabalhadores que em 1811-1816 tentavam impedir a utilização de máquinas que pudessem reduzir a mão-de-obra, quebrando-as e incendiando fábricas, etc. (N. do Trad.)em seu livro The house of the lntellect (A casa do intelecto). Sentindo que tudo que lhe é caro e valioso se origina da atuação do alfabeto em e sobre nossa mente, Jacques Barzun propõe a abolição de toda arte moderna, toda ciência e toda filantropia. Extirpado esse trio, julga ele que podemos fechar a caixa de Pandora. Pelo menos Barzun localiza seu problema, embora não tenha nenhuma pista quanto à espécie de atuação exercida por aqueles três elementos. O terror é o estado normal de qualquer sociedade oral, porquanto nela tudo afeta tudo o tempo todo. ,

Nota (Roque)

Dentro da proposta inicial, considero pertinente examinar um pouco mais as idéias de Teillard de Chardin:

Teillard de Chardin Teilhard concebeu a idéia do Ponto Omega e desenvolveu conceito de Vladimir Vernadsky sobre Noosfera. Algumas de suas idéias entraram em conflito com o Magistério da Igreja Católica, e vários de seus livros foram censurados.

Omega Point é um termo cunhado pelo jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) para descrever um nível máximo de complexidade e de consciência para que o universo parece estar evoluindo.

Nesta teoria, desenvolvida por Teilhard no seu livro The Future of Man (1950), o universo está em constante desenvolvimento para níveis mais elevados de complexidade material e da consciência, que a teoria da evolução que Teilhard criou chama de Lei da Complexidade / Consciência. Para Teilhard, o universo só pode se mover na direção de maior complexidade e consciência se ele está sendo puxado por um ponto supremo da complexidade e da consciência. Assim Teilhard postula o Ponto Omega como este ponto supremo da complexidade e da consciência, que em sua opinião é a verdadeira causa para o universo de crescer em complexidade e consciência. Em outras palavras, o Ponto Omega existe como extremamente complexo e consciente, transcendente e independente do universo em evolução. Teilhard argumentou que o Ponto Omega lembra o Logos cristão, ou seja, Cristo, que atrai todas as coisas em si mesmo, que nas palavras do Credo de Nicéia, é "Deus de Deus", "Luz da Luz", "Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, "e" por meio dele todas as coisas foram feitas. "

Vernadsky primeiro popularizou o conceito da noosfera e aprofundou a idéia da biosfera ao significado amplamente reconhecido pela comunidade científica de hoje. A palavra "Biosfera" foi inventada pelo austríaco Eduard Suess geólogo, a quem Vernadsky conheceu em 1911.
Na teoria de Vernadsky de desenvolvimento da Terra, a noosfera é a terceira etapa no desenvolvimento da terra, depois da geosfera (matéria inanimada) e a biosfera (vida biológica).
Assim como o surgimento da vida transformou fundamentalmente a geosfera, o surgimento da cognição humana fundamentalmente transformou a biosfera. Nesta teoria, os princípios da vida e da cognição são características essenciais da evolução da Terra, e deve ter sido implícito na Terra o tempo todo. Esta análise sistêmica e geológica dos sistemas vivos complementa a teoria de Charles Darwin da seleção natural, que olha para cada espécie individualmente, e não em sua relação com um princípio incorporador, parte de uma regra ou principio geral.

Porque sociedades não alfabetizadas não conseguem "ver" filmes e fotos (64)

O Prof. John Wilson, do Instituto Africano da Universidade de Londres, na tentativa de utilizar filmes para ensinar os indígenas a ler, e ao mesmo tempo educá-los, conta que num filme especialmente preparado para mostrar os perigos de água parada e de acúmulo de lixo aconteceu o seguinte:
Foi feito um filme, que foi passado em câmara lenta, de um homem, um Inspetor Sanitário, mostrando cuidadosamente como uma família deve agir para se desembaraçar de água estagnada, drenar poças, juntar as latas vazia e guardá-las a salvo da chuva, etc.
Este filme foi mostrado a uma platéia africana de indígenas e ao fim do filme lhes foi perguntado o que tinham visto.
Eles responderam: "uma galinha", ou alguma ave doméstica.
As pessoas que fizeram o filme ignoravam totalmente que havia uma ave nele!
Procurando tal ave, revendo o filme, com efeito confirmaram que aparecia correndo, por momentos, pois alguém a havia assustado, uma galinha atravessando um canto da tela.
Esperava-se que as outras cenas tivessem sido entendidas, porém lhes escaparam completamente, porém algo que somente com grande esforço os ingleses conseguiram ver, apanharam imediatamente.
Porquê?
Foram imaginadas toda a sorte de explicações: O movimento rápido da galinha?
Tudo foi feito em movimento de câmara lenta, cuidadosamente, gente andando, pegando latas, fazendo demonstrações, e tudo o mais e apenas a galinha havia sido real para eles. Será que a ave tinha significado religioso?
O Prof. Wilson nos descreve o filme:
"Havia um movimento muito lento de um guarda sanitário caminhando, deparando com uma lata com água dentro, pegando então a lata e despejando a água no solo com muito cuidado. Depois disto ele esfregava o solo para que os mosquitos não pudessem procriar ali e colocava a lata num cesto, no lombo de um burro, para mostrar como dispor de lixo. Depois disto as latas eram levadas cuidadosamente num local e enterradas para que não acumulassem água. A galinha apareceu por um segundo nesta seqüência toda.
Havia trinta pessoas na platéia, e diante da pergunta 'O que viram neste filme?' foram unânimes em afirmar: 'Uma galinha'.
O mistério foi desfeito posteriormente, quando questionamos se viram um homem no filme. Eles responderam que sim, porém não viram nenhum sentido nele. Na medida que fomos pesquisando, percebemos que eles não se fixaram em nenhuma cena ou quadro por inteiro: eles exploravam as cenas à busca de detalhes!"
Pesquisando mais posteriormente, concluímos que uma platéia evoluída, ocidental, acostumada a ver filmes, focaliza a vista um pouco à frente da tela de modo a poder alcançar toda a cena.
Ou seja, tem que primeiramente contemplar a cena como um todo (que aquelas pessoas não podiam fazer por não estarem acostumadas), comparar com uma convenção cultural no seu imaginário, e extrair um significado.

Ver no link com mais exemplos

Quando a tecnologia estende ou prolonga um de nossos sentidos, a cultura sofre uma transposição tão rápida quanto rápido for o processo de interiorização da nova tecnologia (70)

Embora o tema principal desse livro seja a Galáxia de Gutenberg ou uma configuração de eventos, que está muito além do mundo do alfabeto e da cultura da escrita, é preciso saber-se por que, sem o alfabeto, não teria havido Gutenberg. E, portanto, precisamos ter certo conhecimento das condições de cultura e percepção que tomaram possível primeiro, a escrita, e depois, talvez, de algum modo o alfabeto.
O relato de Wilson sobre os anos de treinamento perceptual necessário para habilitar os adultos africanos a verem filmes cinematográficos tem perfeita analogia com as dificuldades que os adultos ocidentais experimentam com a arte "abstrata". Em 1925, Bertrand Russell escreveu seu ABC of Relativity (ABC da relatividade) assinalando na primeira página que:

"Muitas das novas idéias podem ser expressas em linguagem não matemática, mas nem por isso se tornam elas menos difíceis de compreender. O que se exige é uma modificação da imagem, da reapresentação imaginativa, que fazemos do mundo. (. . .) A mesma espécie de modificação impunha Copérnico ao ensinar que a terra não está imóvel. (. . .) Para nós não existe dificuldade nesta idéia, porque a aprendemos antes de nossos hábitos mentais se tornarem fixos. Do mesmo modo, as idéias de Einstein parecerão mais fáceis para as gerações que crescem com elas; para nós, é inevitável certo esforço de reconstrução imaginativa."

Um trabalho recente de Georg von Bekesy, Experiments in Hearing (Experiências em audição), apresenta solução exatamente oposta à que acabam de nos dar Carothers e Wilson quanto ao problema do espaço. Enquanto estes últimos procuram falar acerca da percepção de povos analfabetos em termos da experiência de alfabetizados, o professor von Bekesy prefere começar sua exposição sobre o espaço acústico em si mesmo. Como alguém proficiente em espaços auditivos, ele está nitidamente cônscio das dificuldades que existem em falar sobre o espaço da audição, pois o espaço acústico é forçosamente um universo em "profundidade" (Ver "Espaço Acústico). É extremamente interessante que, ao procurar esclarecer a natureza da audição e do espaço acústico, o professor von Bekesy tenha evitado deliberadamente à posição do ponto de vista e da perspectiva em favor do Campo mosaico. E, para este fim, recorre à pintura bidimensional, sem perspectiva, como meio de ilustrar a profundidade ressonante do espaço acústico. Eis suas próprias palavras (pág. 4): .

"É possível discutir duas formas para abordar um problema. Uma, que se pode denominar de método teórico, consiste em formular o problema nos termos do que já se conhece, fazer acréscimos ou extensões na base de princípios aceitos, e depois proceder à comprovação dessas hipóteses experimentalmente. Outra, que se pode chamar de método mosaico, considera cada problema por si mesmo, com pouca referência ao campo no qual se encontra, e procura descobrir relações e princípios existentes na área circunscrita."

Von Bekesy passa depois a apresentar suas duas formas de pintura:

"Uma estreita analogia com esses dois métodos pode encontrar-se no campo da arte. No período entre os séculos onze e dezessete os árabes e os persas desenvolveram um alto domínio das artes de descrição. (...) Mais tarde, durante a Renascença, desenvolveu-se nova forma de representação na qual se tentou dar unidade e perspectiva à pintura e representar a atmosfera. (. . .)

Quando já se tenha alcançado grande progresso no campo da ciência e já conhecida a maioria das variáveis pertinentes aos seus múltiplos problemas, pode-se facilmente resolver um novo problema tentando-se enquadrá-lo no conjunto dos dados conhecidos. Mas, quando o quadro de referência é incerto, e grande o número de variáveis, o método mosaico é muito mais fácil."".

O método mosaico não só é "muito mais fácil" no estudo do simultâneo que é o campo auditivo, como é a única abordagem relevante. Com efeito, o mosaico ou pintura "bidimensional" é o modo pelo qual há a suavização do campo visual como tal, a fim de que possa haver o máximo de intercambio entre todos os sentidos. Tal foi a estratégia dos pintores "desde Cézanne": pintar como se estivessem segurando os objetos e não como se os estivessem vendo. (Aparentemente foi isto que fez McLuhan fazer este livro da maneira que o fez. (REC))

É impossível construir-se uma teoria de mudança cultural sem o conhecimento das mudanças do equilíbrio relacional entre os sentidos resultantes das diversas exteriorizações de nossos sentidos (73)

Convém muito nos determos nessa questão, porquanto veremos que, a partir da invenção do alfabeto, desenvolveu-se no Ocidente um contínuo movimento para a separação dos sentidos, de funções, estados emocionais e políticos, bem como de tarefas - fragmentação que terminou - pensou Durkheim - na anomia (falta de objetivos) do século dezenove. O paradoxo da tese apresentada pelo professor von Bekesy está em que o mosaico bidimensional é, de fato, um mundo multidimensional de ressonância interestrutural. É o mundo tridimensional do espaço pictórico que é, realmente, uma ilusão abstrata, produzida pela intensa separação do sentido da vista dos demais sentidos.
Não se trata de questionar valores ou preferências. O que é necessário, contudo, para qualquer outra compreensão diferente, é saber-se porque o desenho "primitivo" é bidimensional, ao passo que. o desenho e a pintura do homem alfabetizado tendem para a perspectiva. Sem tal conhecimento, não podemos compreender por que o homem deixou de ser "primitivo" ou audiotáctil na tendência de seus sentidos. Nem poderíamos chegar a entender porque o homem" desde Cézanne" abandonou o visual em favor dos modos audiotácteis de percepção e. de organização da experiência. Esclarecida essa questão, podemos abordar mais facilmente o papel que tiveram o alfabeto e a tipografia na atribuição de função dominante ao sentido da vista na linguagem e na arte e em toda a extensão da vida política e social. Com efeito, enquanto o homem não elevou desse modo o comportamento visual do seu sensorium, as comunidades não. conheceram senão a estrutura tribal. A destribalização do indivíduo, pelo menos no passado, dependeu de uma intensa vida visual promovida e alimentada pela cultura letrada e de letras somente do tipo alfabético. Porque a escrita alfabética não é apenas única, mas tardia. Houve muita escrita antes dela. De fato, qualquer ,Povo que cessa de ser nômade
e passa a seguir modos sedentários de trabalho está propenso e a caminho de inventar a escrita. Todos os nômades não só não tiveram escrita como não desenvolveram arquitetura, nem o "espaço fechado", pois escrita é um modo de fechar, visualmente, sentidos e espaços não-visuais. É, portanto, uma forma de abstrair o visual do intercurso comum dos sentidos em globo. E, enquanto a linguagem é uma exteriorização (manifestação) de todos os sentidos ao mesmo tempo, a escrita é uma abstração da palavra.
Atualmente é mais fácil aprender essa tecnologia especifica da escrita. Os novos institutos para ensino de leitura rápida, ou dinâmica, trabalham na base da dissociação 'entre os movimentos dos olhos e a verbalização interior. Veremos mais adiante como toda leitura nos mundos antigo e medieval era em voz alta. Com a palavra impressa, os olhos aceleraram-se e silenciou-se a voz. Mas a verbalização interior era tida como inseparável do seguimento horizontal das palavras pela linha na página. Hoje em dia, sabemos que se pode separar a leitura da verbalização por meio da leitura vertical. Esta prática, naturalmente, lança a tecnologia alfabética da separação dos sentidos a um extremo de inanidade, mas é importante para se compreender como teve início a escrita em qualquer dos seus tipos.
Num ensaio intitulado A History of the Theory of lnformation (História da teoria da informação), lido perante a Sociedade Real, em 1951, E. Colin Cherry, da Universidade de Londres, observou que "nos primeiros tempos, a invenção foi grandemente dificultada pela incapacidade do homem de dissociar a estrutura mecânica da forma animal. A invenção
da roda foi um primeiro notável esforço desse tipo de dissociação. O grande surto das invenções que começou no século dezesseis apoiou-se na gradual dissociação da máquina da forma animal". A tipografia foi a primeira mecanização de um antigo artesanato e levou facilmente à crescente mecanização de todo o artesanato. As fases modernas desse processo constituem o tema de Mechanization Takes Command (A mecanização assume o comando), de Siegfried Giedion.
Giedion,entretanto, preocupa-se em traçar, com minúcia, as fases pelas quais, no século passa:do, usamos mecanismos para recuperar a forma orgânica:

Em seus célebres estudos sobre os movimentos dos homens e dos animais por volta de 1870, Edward Muybridge colocou uma série de trinta câmaras em intervalos de doze polegadas, disparando os obturadores eletromagneticamente assim que o objeto em movimento passava diante da chapa (...) Cada quadro mostra o objeto numa fase isolada conforme fora captado em cada câmara (pág. 107).

Quer isso dizer, o objeto é trasladado da forma orgânica ou simultânea para um modo estático ou pictórico. Ao girar uma seqüência desses espaços estáticos ou pictoriais com sufi-ciente velocidade, cria-se a ilusão de inteireza orgânica, ou uma interação de espaços. Assim, a roda passa finalmente a ser o meio de afastar nossa cultura da máquina(Uma vez que mostra que a máquina reproduz a forma animal. (N. do Trad.)
Mas foi por meio da eletricidade aplicada à roda que esta mais uma vez se fundiu com a forma animal. De fato, a roda é agora obsoleta na era da eletricidade e dos mísseis. Mas a hipertrofia é o sinal de obsolescência, conforme veremos repetidas vezes. Justamente porque a roda está agora voltando, no século vinte, à forma orgânica, faz-se agora muito fácil compreender como o homem primitivo a "inventou". Qualquer criatura em movimento é uma roda, no sentido de que a repetição de movimento tem em si um princípio cíclico e circular. Assim as melodias de sociedades letradas são ciclos que se repetem. Mas a música de povo não-alfabetizado não tem tal forma abstrata cíclica e repetitiva como ,a melodia. A invenção, numa palavra, é translação de uma espécie de espaço para outra.
Giedion dedica certo tempo à obra do fisiologista francês, Etienne Jules Morey (1830-1904), que criou o miógrafo para registrar os movimentos dos músculos: "Morey muito conscientemente se refere a Descartes, mas ao invés de representar graficamente seções, traduz o movimento orgânico em forma gráfica" (pág. 19).

O confronto no século vinte entre as duas faces de cultura - a alfabética e a eletrônica - empresta à palavra impressa papel crucial em deter o retorno à África interior *(76)

* Referência à expressão de Conrad "The Africa within" - a África que está no "interior" da experiência ocidental.

A invenção do alfabeto, à semelhança da invenção da roda, foi a primeira tradução ou redução de um complexo e orgânico intercâmbio de espaços num único espaço. O alfabeto fonético reduziu o uso simultâneo de todos os sentidos, que é a expressão oral, a um simples código visual. Hoje, pode-se efetuar essa espécie de translação numa ou noutra direção, através de uma variedade de formas espaciais, as quais chamamos de "midia", ou "meios de comunicação". Mas cada uma dessas formas de espaço tem propriedades particulares e incide sobre nossos outros sentidos ou espaços de modo também particular.
Hoje, não é difícil compreender a invenção do alfinete porque - como assinalou A. N. Whiteheadem Science and the Modern World (A ciência e o mundo moderno) (pág. 141) - o método de descobrir foi a grande descoberta do século dezenove:

A maior invenção do século dezenove foi a invenção do método de inventar. Entrou em existência um novo método. Para compreendermos nossa época, podemos deixar de lado todos os detalhes de mudança, tais como estradas de ferro, telégrafos, rádios, teares, tinturas sintéticas. Temos que concentrar-nos no método em si; isto é, na verdadeira novidade que rompeu com os fundamentos da antiga civilização.
(. . .) Um dos elementos do novo método é justamente a descoberta da maneira de transpor a distância existente entre as idéias científicas e o seu produto final. Trata-se de um processo de ataque disciplinado a cada dificuldade, uma após outra.

O método da invenção, como demonstrou Edgar Poe em sua "Filosofia da Composição", consiste simplesmente em tomar como ponto de partida a solução do problema, ou o efeito visado. Recua-se, depois, passo a passo para o ponto de onde se teria de começar a fim de alcançar a solução ou efeito. Tal é o método dos romances policiais, do poema simbolista e da ciência moderna. Precisa-se, entretanto, do passo dado pelo século vinte para além desse método de invenção, se queremos compreender a origem e a ação das formas novas tais 'como a roda ou o alfabeto. E esse passo não é o de voltar para /trás, recuando do produtO' até o seu ponto de origem, o de acompanhar e seguir o processo em si mesmo sem referencia ao produto. Acompanhar os contornos do processo, como se faz na psicanálise, onde esse método proporciona o único meio de evitar o produto do processo, isto é, neurose ou psicose.
É propósito deste livro estudar primariamente a fase tipográfica da cultura alfabética. Esta fase, entretanto, encontrou hoje em dia os novos modos orgânicos e biológicos do mundo eletrônico. Quer isto dizer que, no extremo do seu desenvolvimento mecanicista, vê-se interpenetrada pela ação eletrobiológica, conforme De Chardin explicou. E é essa reversão de caráter que torna nossa era "conatural", por assim dizer, das culturas não-alfabetizadas. Não temos mais dificuldades em compreender a experiência de primitivos ou de, não-alfabetizados simplesmente porque a estamos recriando' eletronicamente em nossa própria cultura. (A pós-alfabetização, entretanto, é um modo de interdependência completamente diferente da pré alfabetização.) Por conseguinte, deter-se sobre as primeiras fases da tecnologia alfabética não deixa de ser importante para se compreender a era de Gutenberg.
Colin Cherry teve isto a dizer sobre os primórdios da escrita:

Uma história detalhada das linguagens falada e escrita seria irrelevante para o nosso estudo, mas, ainda assim, há certas questões de interesse que podem ser consideradas como ponto de partida. As primeiras escritas das civilizações do Mediterrâneo ,eram por meio de desenhos de imagens ou figuras, ou escrita "logográfica": simples figuras para reapresentar objetos e também" por associação, idéias, ações, nomes, etc. Além disto, o que é muito mais importante, desenvolveu-se a escrita fonética, na qual se criaram símbolos para os sons. Com o decorrer do tempo, as figuras foram reduzidas a símbolos mais formais conforme determinava a dificuldade de se empregar um cinzelou um pincel de caniço, ao mesmo tempo que a escrita fonética se simplificava com a formação de um grupo de duas ou três dúzias de letras de alfabeto, divididas em consoantes e vogais.
Temos nos hieróglifos egípcios um exemplo supremo do que agora se chama redundância em linguagens e código; uma das dificuldades em decifrar a pedra de Roseta reside no fato de que uma palavra polissilábica poderia dar a cada sílaba não um único símbolo, porém, certo número de outros diferentes comumente usados a fim de que a palavra pudesse ser perfeitamente compreendida. (O efeito, quando literalmente transcrita para o inglês, é o de tartamudeio.) Por outro lado, as línguas semíticas revelam, em seus primórdios, admitir a redundância. A antiga escrita hebraica não tinha vogais: o hebraico moderno não as tem também, salvo em livros infantis. Muitas outras escritas antigas não têm vogais. O russo eslavo avançou mais um passo na condensação: nos textos religiosos, palavras comumente 'empregadas eram abreviadas em poucas letras, de modo semelhante ao emprego atual do sinal U&", de abreviações tais como lb (pound - libra) e o crescente uso de iniciais, e.g., EUA, UNESCO, O.K.

Não está no evitar-se a redundância a chave para o alfabeto fonético e seus efeitos sobre as pessoas e a sociedade. "Redundância" é um conceito de "conteúdo", ele próprio um legado da tecnologia do alfabeto. Isto é, qualquer escrita fonética é um código visual para a fala. A fala é o "conteÚdo" da escrita fonética. Não é, entretanto, o conteúdo de nenhuma outra espécie de escrita. Variedades pictográficas e ideográfica de escrita são Gestalts ou instantâneos de várias situações pessoais ou sociais. De fato, podemos ter uma boa idéia das formas não-alfabetizadas de escrita pelas equações matemáticas modernas, como E = MC2, ou pelas antigas "figuras de retórica" gregas e romanas. Tais equações ou figuras não têm conteúdo, mas são estruturas como uma melodia individual que evoca seu próprio mundo. As figuras de retórica são posturas da mente, como a hipérbole, ou a ironia, ou a litotes, ou o símile, ou a paronomásia. Escrita pictorial de toda espécie é um balé dessas posturas que ,delicia muito mais nossa tendência moderna para a sinestesia e riqueza audiotáctil de experiência que a forma alfabética simples é abstrata. Seria conveniente hoje em dia que se ensinasse às crianças muitos ideogramas chineses e hieróglifos egípcios como meio de intensificar sua apreciação de nosso alfabeto.
Escapou, portanto, a Colin Cherry, esse caráter único de nosso alfabeto, que é não apenas o de dissociar ou abstrair a vista e o som, mas o de retirar todo e qualquer significado do som das letras, salvo na medida em que letras sem sentido se relacionam com os sons sem sentido também. Na medida em que qualquer outro significado é emprestado à visão ou ao som, a separação entre o sentido visual e os outros sentidos fica incompleta, como é o caso em todas as formas de escrita salvo a do alfabeto fonético.

A tendência atual de reforma do alfabeto ou da ortografia é a de acentuar o sentido auditivo mais do que o visual (79)

E interessante notar que existe hoje em dia crescente insatisfação em relação à dissociação entre nossos sentidos e as formas alfabéticas. À página 81 (abaixo) damos uma amostra de recente tentativa de criação de novo alfabeto, capaz de dar caráter mais fonético à nossa palavra escrita. O traço mais notável a observar na amostra é sua semelhança, senão identificação com página altamente textura e táctil de um manuscrito antigo. Em nosso desejo de restaurar cena unidade de intercurso entre nossos sentidos, tateamos' em busca de antigas formas de manuscritos que têm de ser lidos em voz alta ou então não ser lidos. Lado a lado com esse desenvolvimento extremado está o dos novos institutos de ensino da leitura rápida (dinâmica).
Neles educa-se o leitor para comandar a vista de modo que os olhos acompanhem a página verticalmente pelo centro, evitando toda verbalização e Os movimentos incipientes da laringe que acompanham a série de instantâneos colhidos pelos olhos, quando percorrem as linhas da esquerda para a direita, a fim de comporem o filme sonoro mental que chamamos de leitura.
A obra mais definitiva que temos sobre as letras fonéticas é The Alphabet, de David Diringer. me assim começa sua exposição (pág. 37):
O alfabeto é o último em data dos sistemas de escrita, sendo o mais altamente desenvolvido, o mais conveniente, o mais facilmente adaptável. É agora usado universalmente pelos povos civilizados; aprende-se facilmente sua técnica na infância. É óbvio que existe enorme vantagem no uso de letras que representam sons simples ao invés de idéias ou sílabas; nenhum sinólogo conhece todos os 80.000 ou mais símbolos chineses, mas também está longe de ser fácil aprender aproximadamente os 9.000 símbolos chineses utilizados pelos seus escolares. Quanto mais simples é escrever usando apenas os 22 ou 24 ou 26 sinais ou letras do nosso alfabeto! Além disto, o alfabeto permite passar-se de uma língua para outra sem grande dificuldade. O nosso alfabeto, agora utilizado para as línguas inglesa, francesa, italiana, alemã, espanhola, turca, polonesa, holandesa, checa, croata, gaulesa, finlandesa, húngara e outras, originou-se do alfabeto outrora usado pelos antigos hebreus, fenícios, aramaicos, gregos, etruscos e romanos.
Graças à simplicidade do alfabeto, a escrita generalizou-se e se fez pràticamente comum; não mais é privilégio quase exclusivo das classes sacerdotais ou de outras classes privilegiadas como acontecia no Egito, na Mesopotâmia ou na China. O ensino reduziu-se, em grande parte, a uma questão de leitura escrita, e fez-se acessível a todos. O fato de haver a escrita alfabética sobrevivido por três e meio milênios, com modificações relativamente pequenas, e a despeito da introdução da máquina de impressão e da máquina de escrever e do uso extensivo da escrita estenográfica, é a melhor prova de sua eficiência e aptidão para atender às necessidades de todo o mundo moderno. Foi tal simplicidade, adaptabilidade e conveniência que garantiram o triunfo do alfabeto sobre os outros sistemas de escrita.
A escrita alfabética e suas origens constituem uma história em si mesmas; oferecem novo campo para pesquisas que estudiosos americanos estão começando a chamar de "alfabetologia". Nenhum outro sistema teve história assim tão extensa, tão complexa e tão interessante.
A observação de Diringer de que a escrita alfabética é "agora empregada universalmente pelos povos civilizados" é um pouco tautológica, porquanto foi somente pelo alfabeto que Os homens se destribalizaram ou individualizaram para criar a "civilização". As culturas podem elevar-se artisticamente muito acima de civilização, mas sem o alfabeto fonético permanecem tribais, como se dá com as culturas chinesa e japonesa. É necessário acentuar que minha preocupação é pelo processo de dissociação sensorial pela qual se efetiva a destribalização dos homens. Se é uma "boa coisa" essa emergência do indivíduo e destribalização do homem, não cabe a nenhum indivíduo determinar. Mas, identificar-se e reconhecer-se o processo pelo qual isto se operou pode desembaraçar a questão das névoas e miasmas morais que agora a envolvem.
Figura 1, de New York Times, 20 de julho de 1961.


O novo ALFABETO DE 43 UNIDADES: Esta é uma página extraída de uma obra denominada "Jesus, o Auxiliador", impressa na Grã-Bretanha, no alfabeto romano experimental e aumentado. O alfabeto, baseado em grande parte na fonética, contém o alfabeto convencional, com as letras "q" e "x" eliminadas e dezenove letras novas a ele adicionadas. Não há letras maiúsculas. Pelo sistema, a letra "o" é imutável no som de "long", mas "ago" é escrito "agoe" com o "o" e o "e" ligados. Outra letra nova é o "z" invertido, para sons com "trees". O "s" convencional é usado em palavras como "see". Outras letras novas incluem "i" e "e" ligados por uma barra transversal par,a palavras tais como "blind"; "o" e "u" ligados para palavras tais como "flowers" 'e dois "o" que ficam unidos. Em setembro, cêrca de 1.000 crianças inglesas começarão a aprender a ler com êste alfabeto fonético experimental.

Helping the blind man
Long ago there lived a
Blind man. He lived where
Trees and flowers grew; but
The blind man could not see
The trees or flowers.
The poor man had to feel
the way to go with his stick.
Tap-tap-tap went his stick on
The road. He walked slowly
.

Comentário (Roque):

A única referencia a esta experiência na Internet é a citação de McLuhan e para todos efeitos práticos, parece cretinice.

Porém, pesquisas posteriores, que poderiam ser evidencia de pontos que McLuhan percebeu, indicam que o cérebro integra e extrai informação de forma não de todo compreendida e muito interessante:

Este pequeno texto
Serve apenas para
Mostrar como nossa
Cabeça consegue
Fazer coisas
Impressionantes!!!
No começo estava
Muito complicado
Mas nesta linha
Sua mente vai
Decifrando o
Código quase
Automaticamente
Sem precisar pensar
Muito, certo?
Pode ficar bem
Orgulhosos disto!!!
Sua capacidade merece!
Parabéns!!!

O alfabeto é um absorvedor e transformador agressivo e militante de culturas, conforme Harold lnnis foi o primeiro a mostrar (82)

Uma outra observação de Diringer, em seu livro, merece destaque. Esta observação é a de que uma tecnologia que se utiliza de letras para representar sons mais do que idéias ou "silabas" é acessível a todos os povos. Em outras palavras, quer isto dizer que, qualquer sociedade que possua alfabeto, pode traduzir quaisquer culturas vizinhas para seu sistema alfabético. Este processo, porém, somente é válido para culturas alfabéticas. Nenhuma cultura não-alfabética pode adotar uma cultura alfabética; porque o alfabeto não pode ser apenas assimilado; ele chega para modificar, liquidar ou reduzir. Contudo, nesta era eletrônica, talvez tenhamos descoberto os limites da tecnologia do alfabeto. Já não nos deve surpreender que povos, como o grego e o romano, que haviam passado pela experiência do alfabeto, tenham também sido levados à conquista e à organização-a-distância. Harold Innis, em Empire and Communications (Império e comunicações) foi o primeiro a tratar desse tema e a explicar com precisão o verdadeiro significado do mito de Cadmo. O rei grego Cadmo, que introduziu o alfabeto fonético na Grécia, segundo se conta, teria semeado os dentes do dragão e deles brotaram homens armados. (Os dentes do dragão talvez se refiram às antigas formas dos hieróglifos.) Innis também explicou a razão por que a palavra impressa gera nacionalismo e não tribalismo; e por que cria sistemas de preços e mercados tais que não podem existir sem a palavra impressa. Em suma, Harold Innis foi o primeiro a perceber que o processo de mudança estava implícito nas formas da tecnologia dos meios de comunicação. Este meu livro representa apenas notas de pé de página à sua obra, visando explicá-la.
Diringer não põe em relevo senão um aspecto em relação ao alfabeto, pouco importando como ou quando foi ele alcançado:

Seja como for, deve-se acentuar que o grande feito dessa invenção não foi a criação dos sinais. Foi, sim, a adoção de um sistema puramente alfabético o qual, além disso, denotava cada som por meio de um único sinal. Por esse achado, simples como possa parecer-nos agora, seu inventor, ou inventores, devem figurar entre os maiores benfeitores da humanidade. Nenhum outro povo, no mundo, salvo o desses inventores, foi capaz de desenvolver uma verdadeira escrita alfabética. Os povos mais ou menos civilizados do Egito, Mesopotâmia, Creta, Asia Menor, Vale do Indo e América Central alcançaram um estádio adiantado na história da escrita, mas não foram além de uma fase de transição. Alguns povos (os antigos cipriotas, os japoneses e outros) desenvolveram um silabário. Mas somente os semitas sírio-palestinos produziram o gênio, ou gênios que criaram a escrita alfabética, da qual se originaram todos os alfabetos passados e atuais.
Cada civilização importante modifica seu alfabeto, e o tempo pode tornar sua relação com alguns de seus parentes mais próximos quase irreconhecível. Assim, o brâmane, a grande matriz dos alfabetos da índia, o alfabeto coreano e os alfabetos mongóis derivam da mesma fonte que o grego, o latim, o rúnico, o hebraico, o árabe e o russo, embora seja praticamente impossível a um leigo perceber real semelhança entre eles (págs. 216-217).

Por meio do sinal sem significação própria ligado ao som igualmente sem significado, construímos a forma e o sentido do homem ocidental. Nas próximas páginas procuraremos delinear, mais ou menos sumariamente, os efeitos do alfabeto na cultura manuscrita nas sociedades antiga e medieval. Depois disso, examinaremos mais detidamente as transformações que a máquina de impressão tipográfica trouxe à cultura alfabética.

O herói de Homero transforma-se em um homem dividido, ambivalente, ao assumir um ego individual (83)

O mundo dos gregos demonstra por que as aparências visuais não podem interessar um povo que não tenha antes "interiorizado" a tecnologia alfabética (87)

O ponto de vista dos gregos tanto em arte como em cronologia pouco tem em comum com o nosso, mas assemelha-se muito ao da Idade Média (90)

Os gregos inventaram suas novidades artísticas e científicas depois da interiorização do alfabeto (93)

A continuidade das artes medieval e grega foi assegurada pelo elo entre caelatura ou gravação e iluminura(46)

A crescente importância do visual entre os gregos os desviou da arte primitiva que a idade eletrônica agora reinventa depois de ter interiorizado o campo unificado da simultaneidade elétrica (99)

Nestes seis "tabletes" do mosaico ele volta a abordar a questão da maneira como a visão forma a idéia da realidade, como o fez em A Galáxia de Gutenberg (31) e, novamente, não consegue passar uma idéia que deixe claro e nos convença do que ele está falando.
Por ex.,, ele passa batido na questão do Partenon, que sabemos que tem uma construção para corrigir a perspectiva, que apresento em seqüência.
Porém, ele apresenta uma discussão interessante quanto a questão de um ponto de vista da Idade Média e dos gregos serem o mesmo e não o nosso, a relação que tem o alfabeto com novidades artísticas e ciência, as iluminuras como algo a parte e a recuperação atual pela tecnologia eletrônica destes aspectos, que de certa forma é o que estamos fazendo aqui.

Apresento três casos onde para enxergar o que se vê, tem que usar o exercício que eu propus como método científico paa analisar Ulysses de James Joyce:

Partenon grego

O que está feito lá efetivamente, é o seguinte, seguido do que nos parecde á vista e a explicação pode ser entendida em <

Castelo da Cinderela na Disneyland

A Disneylandia jé estava construida quando McLuhan escreveu este livro. Lá foi usado extensivamente correção de perspectiva com a mesma intenção dos gregos no Parthenon.

Walt Disney se inspirou no Castelo de Neuschweistein

Porém, o fez com as seguintes modificações:

Embora o Castelo da Cinderela, que é o aspecto marcante do fim da Main Street USA, pareça ser muito alto, ele realmente não é alto de forma alguma. O método de perspectiva forçada foi usado para criar o efeito de altura. Alás, este método foi bastante usado no Walt Disney World, e é possível interagir com eles nas "wonders of life no Epcot). A correção consiste em que na medida em que o castelo fica mais alto, suas proporções ficam menores. Assim, a "parte" do topo do castelo é aproximadamente a metade do tamanho que ela parece ter.
Da próxima vez que você for a Disney e estiver passeando na Main Street, USA, olhe mais atentamente o castelo. Você vai notar que os "tijolos" ficam menores quanto mais alto o castelo se eleva. Esta técnica é chamada de perspectiva forçada. O castelo parece um pouco mais alto do que seria se todos os "tijolos" fossem do mesmo tamanho. Embora o castelo tenha 189 pés (58 mts) de altura, o desenho com perspectiva forçada cria a ilusão de que o castelo está a 300 pés (92 mts) de altura. O Castelo da Cinderela tem 180 pés de altura pelos seguintes motivos:

1) Para que ele possa ser visto de qualquer lugar do parque e

2) Para que as pessoas possam ver do estacionamento, pois não somente o Castelo da Bela Adormecida não dá pra ver, como o da Cinderela é o ícone central. Walt Disney queria que o ícone central pudesse ser visto de qualquer lugar da propriedade.

A Perspectiva forçada, ou seja, a técnica arquitetônica da construção de andares superiores de um edifício em uma escala decrescente, a fim de dar a aparência de maior altura, é utilizada na Disney inteira e não apenas no Castelo da Cinderela (embora este seja o lugar onde o seu uso cria a maior ilusão). Também é usada para fazer as coisas parecem mais distantes, por exemplo, algumas torres que se levantam sobre os telhados estão muito próximas, mas dão a impressão de imponência à distância. É importante notar que, enquanto o Castelo faz uso perspectiva forçada, as decorações do bolo de aniversário não. Assim, o bolo em forma de castelo parece muito menor do que o Castelo em si mesmo. Na verdade, por causa das decorações do bolo (velas, doces, etc.) serem muito maiores do que o normal elas contribuem para um efeito inverso, fazendo com que toda a estrutura pareça menor do que realmente é, o que é, evidentemente, o inverso da intenção habitual, e isto pode ter acontecido acidentalmente.

Chartres - 21 de Junho

Louis Charpentier, no seu livro Les Mystères de la cathédrale de Chartres, relata o seguinte:

Uma mancha de sol

Pedra retangular chumbada obliquamente

Existe, no interior da catedral de Chartres, na parte inferior do lado Oeste do transepto Sul, uma pedra retangular, chumbada obliquamente nas outras lajes, num talhe branco distinto sobre o cinza escuro geral do lajeamento. Esta pedra esta marcada por um pino de metal brilhante ligeiramente dourado.
Ora, a cada ano, em 21 de Junho, assim que o sol nasce, o que geralmente acontece nesta época, um raio de sol vem, exatamente ao meio dia, bater sobre esta pedra branca, um raio que penetra por um espaço preparado no vitral conhecido como de São Apolinario, o primeiro da parede Oeste deste transepto

Esta particularidade é apontada por todos os guias e aceita como algo esquisito, uma brincadeira do assentador das lajes, do vidraceiro, ou do construtor.

Esta casualidade, me levou a Chartres num 21 de Junho, pois eu "queria ver aquilo" como uma das curiosidades do local.

Pelas minhas estimativas, ao meio dia da hora local deve corresponder entre uma hora menos um quarto e uma hora menos cinco minutos no horário das montanhas... E foi efetivamente neste momento que o ponto luminoso veio se instalar sobre a laje.

Um raio de sol que, numa certa penumbra, faz uma mancha num piso, que tem isto de tão extraordinário? são coisas que se vêem diariamente...

Porem, não pude deixar de sentir um sentimento estranho. Alguém, outrora, tinha tido o cuidado de deixar um espaço vazio, um minúsculo espaço vazio, num vitral... Um outro qualquer, havia, igualmente, tido o trabalho de escolher uma laje especial, diferente daquelas que compõem o piso de Chartres, mais clara, afim que ficasse marcado. Ele havia tomado o cuidado de chumbá-la obliquamente, no lajeado, um lugar, uma sua dimensão, onde inseri-la; ele tinha tido o cuidado de furar um buraco para fixar este pino de metal de cor ligeiramente dourada; um pino que nem marca o centro da laje, nem qualquer um dos seus eixos.

Havia muito mais que a diversão do assentador da laje.

Um assentador de lajes não faz um buraco num vitral para ensolarar, alguns dias por ano, uma pedra... Um vidraceiro, também, não transforma um lajeado para demonstrar esquecimento de um pedaço de vidro no vitral que ele deveria colocar...

Uma vontade definida havia ordenado esta montagem. O assentador das lajes e o vidraceiro haviam obedecido a uma ordem. E esta ordem havia sido dada em função do tempo: o único momento do ano quando o raio do sol pode bater sobre a laje é o solstício de verão, quando o sol atinge o pico em direção ao Norte.

A ordem havia sido dada por um astrônomo. E esta ordem foi dada em função de um lugar: A pedra está situada no prolongamento da parede Sul, no meio da parte inferior do transepto; mas não exatamente no centro - e a inclinação da pedra fora intencional, o lugar fora escolhido por um geômetra. Quando este pequeno jogo do "sol sobre a laje" no solstício de verão se produz em uma das catedrais mais reverenciadas do Ocidente, num dos locais mais arrogantemente reputados da França, a idéia do enigma se instala em você.

Ela se instalou em mim. O que era isto, que fugiu do "bem pensar", do catecismo, da teologia ou da Lenda Dourada? O que era este pressentimento? Subitamente tudo me pareceu cheio de mistério. A catedral tinha uma vida que lhe era pessoal e que me escapava sem me fazer porem um estranho. Subitamente tudo me era estranho e normal. Esta abóbada sob a qual eu me sentava, por qualquer razão, me parecia ser mais alta que um prédio de doze andares, este monumento, se percorrido rapidamente, parecia poder conter um estádio, estes pilares, tão corretamente proporcionados, que me pareciam familiares, necessitariam de quatro homens para abraçá-los...E nada, em tudo aquilo, que esteja fora do humano, nada que não seja feito é medida do homem... Que coisa estranha! Tudo era cada vez mais misterioso, enquanto que eu estava longe desta impressão de constrangimento que me tinha invadido sobre as soleiras das portas do templo de Edfu onde colossais pilares repousam como se a vos rejeitar, num mundo onde o homem não tem lugar para ficar. .

Aqui, ao contrario... A penumbra em si mesma, estava encantada de luzes brilhantes. Cada coisa possuía em si mesma seu contrario: A imensidão era acolhedora, a altura, ao invés de oprimir, engrandecia. Era bom que o sol se orientasse para o Sul, era a rosa do Norte que resplandecia em mil fogos. As altas figuras de Santa Ana, com rostos negros, carregando a Lys e a Virgem, Salomão e Davi, Melchisedech e Abraão, apesar de imóveis, viviam da luz, um tanto hieráticos, eles eram familiares como as imagens infantis. Infantis... E, contudo, a ciência das linhas e destas cores afastavam completamente qualquer idéia de simploriedade. O que era então esta magia da qual eu me sentava tão perto sem compreender? Este encantamento cujo segredo me iria ser revelado, imediatamente, lá, perto daquela pedra onde o sol colocara sua imagem redonda? Por um momento, o espaço de um raio de luz, eu acreditei "apoderar-me" de Chartres e seus mistérios, tanto os das suas pedras, como os de suas gemas brilhantes... Fora Chartres que me prendera. As portas não se abrem sem chaves, nem sem o "abre-te sésamo". Era preciso procurar as chaves.

É difícil precisar a partir de qual momento a pesquisa se torna um vício, como acontece com os amantes de palavras cruzadas, mas o fato é que eu colocara o dedo na engrenagem, e tudo se seguiu, o estudo das obras especializadas em levantamentos de planos, a excitação do exame das teses destruídas na comparação de datas; os entusiasmos e os desanimos, eu me achei imerso, quase que asfixiado, num questionamento que saltava do tempo passado para os espaços presentes... Seria fastidioso descrever os tortuosos caminhos que eu percorri durante esta pesquisa; também fastidiosas as horas passadas sobre a tábua de logaritmos que eu acreditava haver definitivamente ter fechado na época dos meus estudos no Liceu. Eu entrego hoje o resultado deste questionamento - ou melhor desta busca - com a esperança que ela vá interessar alguns de meus contemporâneos. Para a maior parte das pessoas, o mistério reside no não habitual. Quem sonharia de se maravilhar com aquilo que se vê todo dia? Os habitantes das margens do Nilo não acham mistério algum naquelas centenas de pirâmides que bordeiam seu rio.

Delas já se disse que são apenas túmulos e isto lhes basta. A catedral de Chartres não é, para os visitantes, mais que um monumento gótico dentre outros monumentos góticos... Menos misteriosa que tantos outros pois que não escondeu nenhuma de suas imagens ou medalhões das quais o Adepto Fulcanelli sabiamente revelou seu sentido alquimico. Portanto que mistérios! Igualmente mais difícil de esclarecer que entre os homens destes tempos e os dos nossos existiu uma dobra que fez cair toda uma forma de civilização, que fez estourar aquilo que foi uma civilização em poeiras de individualidades. A distancia é maior, apesar dos enganadores espaços de tempo, entre os construtores das catedrais e os homens da Renascença, que destes últimos conosco.

A maior parte dos mistérios da catedral de Chartres não são mistérios senão para nós, homens do século XX, que não dispomos sobre os homens de outras eras senão que opiniões pré fabricadas, escolaridade pré fabricada.

Sem considerarmos que a arte gótica, apresenta um enigma ao qual nenhuma resposta foi apresentada. Sabemos tudo sobre as origens do estilo romano, nos abastecemos da pista de monumento a monumento e de período a período. Mas o gótico sempre escapou as tentativas de fixar sua origem.

Seu problema histórico merece apresentação. Ele aparece subitamente, sem premissas, pelo ano 1130. Em poucos anos, ele esta no seu apogeu, nascido completo e total, sem ensaios ou fracassos...E o extraordinário é que ele se encontra, subitamente, cheio de mestres de obras, de artesãos, de construtores para o empreendimento, em menos de cem anos, mais de oitenta imensos monumentos.

Os historiadores são pessoas surpreendentes. Temos a perfeita impressão que eles não fazem as perguntas. Pode ser sua formação...Sua formação é romântica. Existem poucas pessoas capazes de se desembaraçar desta idéia romântica que a "Arte" é uma coisa em si. Ou ainda, que a Arte, deve ser a forma de expressão destas personalidades...Isto da algum prazer aos fabricantes de peças de arte e mais ainda aos comerciantes de peças de arte. Nesta conta, o gótico é classificado como uma simples moda...Fazia-se o gótico porque estava na moda; como se fazia o estilo romano porque estava na moda.

Portanto, as pessoas que fizeram Chartres não pensaram certamente em animar a paisagem horizontal de Beauce com um algo vertical. Eles não pensaram sobre o ponto "Arte" como nós o fazemos hoje em dia. De forma alguma foram acanhados quanto a catedral se eles não a julgassem "útil" e seria incrível que eles não a tivessem concebido "racionalmente"... Tudo que não compreendemos, tudo que nos parece misterioso, ou que nos prende pela fantasia da arquitetura ou da imaginação, tudo tem sua razão de ser, sua razão de ser utilitário...Mesmo que não possamos imaginar o que era esta utilidade. Isto não é efeito do acaso, mesmo artístico, se a igreja esta colocada ou se encontra, não é efeito do acaso se ela tem uma orientação não usual para igrejas católicas, a forma de sua ogiva, sua largura, seu comprimento, sua altura não são resultados da reflexão de um esteta... Sob uma outra forma, as relações de comprimento, de largura e de altura da catedral não foram estabelecidas "por gosto", mas porque são resultado de uma : necessidade a qual os construtores não puderam escapar, que lhes era "exterior"... Da mesma, a ogiva procede de uma necessidade que é, alias, menos arquitetural que fisiológica, e estes famosos vitrais, que nós nunca pudemos jamais analisar ou reproduzir, e que tem, sob a luz, extraordinárias propriedades, foram concebidos pela necessidade... Tudo foi colocado no lugar para agir sobre o homem, sobre os homens; tudo, até o mais ínfimo detalhe, até este labirinto que cobrimos atualmente com cadeiras, até aquela pedra que o sol do meio dia do solstício de Saint Jean d' eté...(Verão)

Alem disto, há um outro aspecto da questão ao qual nós nos esquecemos geralmente de pensar. É que todas estas coisas, grandes obras ou detalhes, foram realizadas por pessoas que sabiam o que faziam... E o mistério se ajusta ao mistério porque nós ignoramos quem eram estas pessoas e de onde vinha seu saber... E este saber era muito grande. Notre Dame tem setecentos anos, ela foi erguida com os prejuízos inelutáveis do tempo, com um incêndio gravíssimo no meio e não obstante, ela jamais teve necessidade de ser consolidada, apoiada, restaurada, ao menos de alguns detalhes... E estes extraordinários arquitetos que apensaram, estes construtores que a fizeram, nós não os conhecemos verdadeiramente! Nos os conhecemos tão pouco, que podemos por isto, nos perguntar se o mistério não teria sido criado por qualquer razão de interesse político ou outro qualquer, se este mistério não foi intencionado desde a origem, como que para fugir de qualquer pergunta ou ...inquisição. Eu deixo para estes que queiram a explicação dos diretores do patrocínio, que tudo isto não passa senão que fonte da Fé.

A Fé talvez remova montanhas, e estas pessoas tinham indubitavelmente a Fé, mas é preciso algo mais para equilibrar o mais amplo vão Gótico conhecido - e um dos mais altos - era preciso também o saber. Então, novo mistério. De onde vinha este saber? Sempre apresentamos a Idade Média como uma época obscurantista; e não há nada mais falso que esta afirmação... Era a época das cruzadas contra os Albigenses, é a época do nascimento da Inquisição Dominicana, é a época da fogueira... Como conciliar tudo isto. Cluny(Mosteiro):: se explica pelos seus monges sábios... Mas não podemos fazer o mesmo com Chartres, Amiens, Sens, ou Reims que não tinham um monge, que são templos populares, feitos pelo povo e pelos leigos, como se diz, por pessoas pertencentes a este povo ignorante... Mas como este povo ignorante conseguiu fornecer a quantidade de carpinteiros, de pedreiros, de quebradores de pedras, de fabricantes de imagens - profissionais - necessários para construir estas imensas naves de pedra? É preciso que se diga que somente no norte da França, na época em que se construiu Chartres, existiam mais de vinte catedrais em construção, da mesma importância...E quantas outras igrejas menores! Todas feitas a mão e, se eu ouso afirmar, somente com um único motor o músculo humano, acionando a mão humana... E é preciso pensar que a França inteira não tinha mais de quinze milhões de habitantes. Ainda aparece um outro mistério, o do financiamento. Apesar de toda a fé, os operários não trabalhavam sem serem pagos... E todos os historiadores concordam em dizer que o povo era pobre - o que era certamente verdade.

Então de onde vinha o dinheiro? Dos doadores? Seus nomes são inscritos nos registros. Eles davam aqui um altar, ali um retábulo, acolá um vitral. Bagatelas dentro destas montagens monumentais.

Existem ainda as questões, bem entendido, por vezes da taxação de impostos sobre os comerciantes; por Chartres: os peregrinos. Mas os peregrinos não tinham os bolsos cheios de ouro. E o mercado de um pequeno vilarejo não devia ser de extrema importância... Então, é preciso que ensaiemos o raciocínio lógico do meio pelo qual as coisas que são acessíveis ë lógica humana. Acontece que esta floração de catedrais aconteceu por vontade. Acontece que elas foram vontade de um organismo que tinha o saber necessário para faze-las; que tinha a sua disposição construtores competentes; que tinha os meios de financiar estes construtores. Enfim, última condição, evidente, eles deviam ser religiosos... Mas o clero secular, os bispos, os cônegos, os padres, não tinham nem o saber nem os meios, salvo grandes metrópoles. Somente as grandes ordens monacais, sobretudo as Beneditinas e as Cistercienses tinham, ao mesmo tempo, o saber, os meios e os construtores. Mas eles reservavam isto a suas abadias. E não foram nem Cluny nem Citaux que fizeram Chartres...Nós retomamos de um mistério dentro de outro. Um outro ainda: porque esta igreja magnífica, imensa neste vilarejo que era Chartres? Esta igreja para cuja construção foram mobilizados, não há como duvidar, os melhores dentre os melhores, mestres de obra, pedreiros, entalhadores de pedra, escultores e carpinteiros?

O ponto de vista da Idade Média e dos gregos é o mesmo e não o nosso, a relação que tem o alfabeto com novidades artísticas e ciência, as iluminuras como algo a parte e a recuperação atual pela tecnologia eletrônica (90)

Para nossas finalidades, que é navegar a favor da corrente e fazer exatamente isto que estes seis tabletes indicam, isto é, usar a eletrônica de forma a devolver ao homem atual a perspectiva que existiu um dia, estes conceitos apresentados são de suma importância, não importando o quanto certo ou errado estejam. Isto é, se McLuhan tem dificuldade em demonstrar o ponto, porém ele esta carregado de razão em ter descoberto o que é um fato: a eletrônica nos devolveu a um tempo anterior que já existiu e no qual foram feitas muitas coisas na criação ou educação, ou o que seja que envolva comunicação.

O elemento "misterioso" por assim dizer, que afeta nossa percepção é a noção de tempo.

McLuhan cita Bernard van Groningen, do seu trabalho In the Grip of the Past (Nas garras do passado), que tem duplo sentido, pois não é apenas examinar o passado, mas a noção de passado, pois, segundo ele, os gregos e todas as sociedades não alfabetizadas, tinham uma concepção cósmica, mítica do tempo como simultâneo, ao que acrescento, instante presente, verdade psicológica, que é o que sentimos a eventos que nos afetaram profundamente, ou seja, existem o tempo todo instantaneamente. Como conseqüência disto, a idéia de passado, Van Groningen acrescenta "Os gregos freqüentemente se referem ao passado e, ao fazê-lo, ligam o assunto em questão a uma concepção cronológica. Mas assim que investigamos, o verdadeiro significado, evidencia-se que a idéia não é temporal, mas usada num sentido geral."

Isto, em relação ao tempo, é o mesmo que, em relação ao espaço, reduzir o tamanho da figura na pintura, sem um ponto de vista ou de fuga para a perspectiva.

A visualização de seqüências cronológicas é desconhecida nas sociedades orais, como agora é irrelevante na era da eletrônica do movimento da informação.

O "fio da narrativa" é tão revelador quanto a linha na pintura ou escultura, pois explica exatamente até que ponto se processou a dissociação do sentido de visão dos outros sentidos.
Erich Auerbach, no seu trabalho The Representation of Reality in Western Literature, que se dedica a análise estilística da arte da narrativa nas literaturas do Ocidente, desde Homero até hoje, nos diz que, por ex, Aquiles e Ulisses e Aquiles, de Homero, são apresentados em quadros verticais e planos, por meios de descrições plenamente exteriorizadas, sob iluminação uniforme e conexão ininterrupta, nas quais a livre expressão situa tosos os incidentes em primeiro plano, revelando significados incontestáveis, com um mínimo de desenvolvimento histórico e de perspectiva psicológica.

Ou seja, o visual tende ao explicito, ao uniforme e ao conseqüente na pintura, na poesia, na lógica, na historia.

Os não alfabetizados ou não letrados, tendem ao implícito, simultâneo e descontinuo, seja no passado primitivo ou no presente eletrônico. (grifo meu, REC)

Totalmente contrario ao que, por exemplo na física de Newton, conforme Sir Edmundo Whittaker escreve em seu livro Space and Spirit (pg 86)

"O newtonianismo, como o aristotelismo, procura compreender o mundo tentando descobrir a ligação dos eventos entre si, e isso se efetua por meio da ordenação de nossas experiências de conformidade com a categoria de causa e efeito, descobrindo-se para cada fenômeno seus agentes determinantes ou antecedentes. A afirmação que essa ligação é universal e que nenhum evento acontece sem causa, é o postulado de causalidade."

Homogeneidade, uniformidade e repetibilidade eis as notas componentes e básicas de um mundo novo a emergir da matriz audiotáctil.

A questão central que está por trás desta "tendência" do que Mcluhan chama de globalismo sensorial anterior à invenção de Gutenberg, que os sentidos humanos impuseram ao ser humano, ou melhor, a única forma disponível, que é "aprender" no sentido de captar, através do táctil e dos outros sentidos, sem o isolamento característico do visual da cultura alfabética que Gutenberg introduziu pela massificação dos livros.

Este aspecto talvez seja o mais difícil de entender das idéias de McLuhan e vale a pena nos estendermos mais um pouco.

McLuhan não discute, ou melhor, discute prolixamente de outra forma algo que William M.Ivins, Jr, em seu livro Prints and Visual Communication, que McLuhan indica ter usado, trazendo um conceito para objetos que eu gostaria de estender para toda a realidade, que é a Ipseidade, ou a particularidade da natureza de um objeto. Ou o ser isto e não aquilo, ou como fazer se quisermos comunicar a alguém sem ter o objeto em mãos, o que seria.

Penso num plural de ipseidades, incluindo subjetividade ou coisas que não são materiais, como sensações ou idéias que temos quando nos submetemos a certas situações.

Em condições ideais, seria a criação de uma virtualidade sobre as coisas a que submetemos nossos sentidos.

No caso do filme apresentado aos africanos, que gerou deles a percepção de apenas verem uma galinha e não o que um europeu, ou americano educado, veriam, que é o aspecto de como o acumulo de lixo e a água parada tem a ver com a saúde, a ipseidade deles é totalmente diversa da dos alfabetizados, pois que eles usam um meio de se aperceber das coisas que o cercam e como pensar sobre elas e os alfabetizados usa outro.

Ivins introduz este conceito para uma situação objetiva em que ele quer explorar o efeito que a técnica de gravação permite reproduzir por exemplo imagens visuais de plantas, eventualmente medicinais, de forma que uma pessoa do séc XX possa se beneficiar das mesmas propriedades curativas desta mesma planta como o fizeram no século XVI, por exemplo. Ou seja como comunicar de uma pessoa para outra o saber (no sentido do conceito disponível e sacramentado seja pelo que seja) sobre elas associado com o conhecimento, que é o uso e a convivência e a obtenção dos efeitos esperados.

Por exemplo como distinguir por qualquer tipo de descrição a diferença entre mandioca brava e a comestível, que não é medicinal, mas evidencia o ponto?

Como distinguir, numa mata que imagino exista na África, os sinais de que eventualmente você pode estar na mira do jantar de algum leão?

Com decidir se você, brasileiro, vive atualmente nos Estados Unidos se é melhor largar tudo e voltar para o Brasil ou ficar lá?

Nos três casos, nossa ipseidade ou a de quem nos poderia nos aconselhar é totalmente diferente e depende da forma como foi obtido o conceito e conhecimento sobre o que esta sendo tratado.

Existe uma tremenda diferença entre conhecimento sensorial e conceito intelectual obtido pela leitura ou descrição do que está em jogo.

Neste caso, o que esta em jogo na questão do ponto de vista, é que a ipseidade obtida pelos sentidos todos juntos, que é o caso anterior à tecnologia de Gutemberg que monopolizou a forma de conhecer, e a que vingou e prevalece hoje, que é a cultura alfabetizada.

A grande sacada de McLuhan é que o computador, os meios de comunicação, a Internet enfim, geram uma ipseidade similar a que existia antes da alfabetização e meu objetivo neste estudo, é entender isto para tirar maximo partido dele na direção que eu desejar.

Uma coisa que me chamou particularmente a atenção, foi o efeito que isto possa ter tido na lógica de Aristóteles, da qual McLuhan apenas pontua a questão da silogística, isto é, segundo Aristóteles, o requerimento é apenas que os termos sejam homogêneos no tocante a suas possíveis posições como sujeitos e predicados, que fazia com que Aristóteles omitisse os termos singulares, alias citado da obra de Jan Lukasiewicz, Aritotle´s Syllogistic.

Esta falha, na analise de Lukasiewicz residia no fato de que os gregos buscavam as novidades de ordem visual e homogeneidade linear. McLuhan indica ainda que este autor observa sobre a natureza da "lógica" e da faculdade visual e abstgrata:

"A lógica formal moderna esforça-se por obter a maior exatidão possível. Esse alvo só pode ser alcançado por meio de uma linguagem precisa, formada de sinais estáveis e visualmente perceptíveis. Tal linguagem é indispensável para qualquer ciência" ao que McLuhan acrescenta: Mas tal linguagem é feita pela exclusão de tudo que não tenha sentido visual, até mesmo as palavras. (grifo meu, REC)

Vale a pena citar ipsis literis o que McLuhan tem a dizer sobre isto, na pág 94:

"A única preocupação aqui é determinar o grau de influencia que o alfabeto teve sobre os que primeiro o usaram. Linearidade e homogeneidade das partes foram "descobertas", ou antes mudanças na vida sensória dos gregos sob o novo regime da escrita fonética. Os gregos expressaram esses novos modos de percepção visual nas artes. Os romanos estenderam a linearidade e a homogeneidade pelas esferas civis e militares e pelo mundo do arco e do espaço visual, ou fechado. Não somente estenderam as "descobertas" gregas, como sofreram o mesmo processo de destribalização e visualização. Estenderam a linearidade por todo um império e a homogeneização para o processamento-em-massa de cidadãos, da estatuária e dos livros. Hoje os romanos sentir-se-iam bem a vontade nos Estados Unidos e os gregos, em comparação, prefeririam as culturas "atrasadas" e orais de nosso mundo, tais como a Irlanda e o Velho Sul da América do Norte."

Uma sociedade nômade não pode ter a experiência do espaço fechado (100)

Um efeito das culturas não alfabetizadas sobre a percepção sensorial é não euclidiana, ou seja, intuitiva. O efeito mais marcante é a falta de perspectiva. Sem perspectiva não há como representar infinitude e a concepção de espaço fica radicalmente prejudicada ou alterada. Porem existem ganhos, sendo um deles a possibilidade, por exemplo, de cogitar da forma como fez Einstein com sua teoria da Relatividade.

O grande problema da Geometria Euclidiana é a suposição que todos espaços são planos e que tudo ao mesmo tempo é homogêneo - cujas propriedades não se alteram em qualquer local definido no seu espaço - e isotrópico - cujas propriedades não se alteram consoante a direção em que são consideradas, coisa que a modernidade amplamente sabe que não é assim..

Porém, ela esta de tal forma inserida na cultura alfabetizada, que os primeiros matemáticos a cogitarem de espaços curvos e outro tipo de geometria, foram severamente repudiados, sendo o caso de Lobachevski ter sido enterrado sem a presença de seus alunos como foram de protesto contra suas idéias algo que dá a medida em quanto isto afeta a concepção das pessoas.

Creio que vale a pena explorar um pouco mais o que esta em jogo, aplicando esta preocupação com a literatura e a pintura.
Encontrei as seguintes considerações feitas por António Andrade, que frequenta a Licenciatura em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto: (Ver<)

Em muito da arte e do pensamento modernos, primitivismo fez-se o clichê comum e da moda (104)

Uma conseqüência muito interessante da aplicação do conceito visual alfabético vs oral não alfabético é a idéia religiosa de quem os usa.

A suposição do autor Mircea Eliade, que trata disto, O Sagrado e o Profano, quando não leva em conta este aspecto, comete, segundo McLuhan, grosseiro engano, pois o homem da Internet estaria mais que nunca "sacralizado" e fica, para mim, se por trás desta enorme ameaça que a diferença de concepção religiosa ou natureza do Deus de cada um se constitui hoje, não estaria tudo sendo alavancado pela entrada na era da comunicação e do computador.

Ou seja, paradoxalmente, contrariando uma idéia corrente, a Internet "sacraliza" o homem e, no próximo bloco, McLuhan desdiz outra tradição que é imaginar que a invenção de Gutemberg, que iniciou-se pela impressão da Bíblia, teria efeito exatamente inverso..

"A Galáxia de Gutenberg" tem o propósito de mostrar por que a cultura do alfabeto predispõe o homem a dessacralizar seu modo de ser (107)

McLuhan nos surpreende neste tablete, pois revela o que ele pensa ser o tema central do livro, já que pela própria forma como foi redigir sugere ser um emaranhado de tabletes que podem ou não formar alguma lógica, já que a idéia é que funcionem como fotografias e apenas indiquem um ambiente.

"Na parte final deste livro aceitaremos o papel que Eliade declinou, quando disse: "Não nos cabe mostrar por quais processos históricos (...) o homem moderno dessacralizou seu mundo e adotou urna existência profana". Mostrar exatamente por qual processo histórico isso foi feito constitui o tema de A Galáxia de Gutenberg. E, tendo mostrado o processo, po-demos, pelo menos, tomar decisão consciente e. responsável sobre se vamos escolher mais urna vez o modo tribal que tanta fascinação exerce sobre Eliade:

O abismo que divide as duas modalidades de experiência - sagrada e profana - tornar-se-á aparente quando passarmos a descrever o Espaço sagrado e a construção ritual da morada humana, ou as variedades das experiências religiosas do tempo, ou as relações do homem religioso com a natureza e o mundo de instrumentos, ou a consagração da própria vida humana, a sacralidade com que se pode impregnar as funções vitais do homem (alimento, sexo, trabalho, etc.). Bastará que nos lembremos do que a cidade ou a casa, a natureza, as ferramentas ou o trabalho passaram a ser para o homem moderno e não-religioso, ver-se-á para podermos ver com meridiana clareza tudo que distingue esse homem de outro que pertença a qualquer sociedade arcaica, ou mesmo de um camponês da Europa cristã. Para a consciência moderna, o ato fisiológico - comer, sexo, etc. - é em alguns tão-só um fenômeno orgânico. (...) Mas para o primitivo, tal ato não é simplesmente fisiológico; é, ou pode tornar-se, um sacramento, isto é, urna comunhão com o que é sagrado.

O leitor perceberá bem cedo que sagrado e profano são dais modos de ser ,no mundo, duas situações existenciais adotadas pelo homem no decurso da história. Esses modos de ser no mundo não são de interesse tão-só para a história de religiões ou para a sociologia; não são objeto tão-somente de estudo histórico, sociológico ou etnológico. Em última análise, os modos sagrado e profano de ser dependem das diferentes posições que o homem conquistou no cosmo; não interessam, por conseguinte, ao filósofo nem a qualquer pessoa que procura descobrir as possíveis dimensões da existência humana (págs. 14-15)"

Eliade prefere qualquer homem oral ao homem dessacralizado ou alfabetizado; mesmo "um camponês da Europa cristã" retém algo da antiga ressonância auditiva e da aura do homem sacro, conforme os românticos insistiram há mais de dois séculos. Na medida em que uma cultura não é letrada, ou alfabetizada, ela tem para Eliade os indispensáveis ingredientes sacros (pág. 17):

É óbvio, por exemplo, que os simbolismos e cultos da Mãe Terra, da fecundidade humana e agrícola, do caráter sagrado da mulher, e de coisas semelhantes, não podiam desenvolver-se e constituir um sistema religioso rico e complexo senão através da descoberta da agricultura; é igualmente óbvio que urna sociedade pré-agrícola, dedicada a caça, não podia sentir a qualidade sagrada da Mãe Terra do mesmo modo ou com a mesma intensidade. Há, portanto, diferenças na experiência religiosa, explicadas por diferenças em economia, cultura e organização social - em suma, pela história. Existe, no entanto, entre os caçadores nômades e os agricultores sedentários urna semelhança em conduta que nos parece infinitamente mais importante que suas diferenças; ambos vivem num cosmo sacralizado, ambos compartilham de uma qualidade cósmica sagrada, manifestada igualmente no mundo animal e no mundo vegetal. Basta-nos apenas comparar tais situações existenciais com a do homem das sociedades modernas que vive num cosmo dessacralizado, para percebermos imediatamente tudo que o separa deles.

Já vimos que o homem sedentário ou especializado, contrariamente ao homem nômade, está a caminho de descobrir o modo visual da experiência humana. Mas enquanto o homo sedens evita as espécies mais potentes de condicionamento óptico, tais como as que se encontram na alfabetização, as meras sombras de vida sacra, como as que se mantém entre o homem nômade e o sedentário, não desconcertam Eliade. Preferir Eliade chamar o homem oral de "religioso" é, naturalmente, tão fantasioso e arbitrário quanto chamar as louras de bestiais. Mas isto não produz qualquer confusão para os que compreendem que "religioso" para Eliade é - conforme insiste desde o começo - o irracional. Ele se encontra nessa companhia muito grande de vítimas da alfabetização que aquiesceram em supor que o "racional" é o explicitamente linear, seqüencial e visual. Vale dizer, ele prefere mostrar-se como um espírito do século dezoito em rebelião contra o modo visual dominante que, naquele tempo, era novidade. Foi o que se deu com Blake e urna legião de outros. Hoje, Blake seria violentamente anti Blake, porque a reação de Blake contra o visual abstrato é agora o clichê dominante e a claque dos grandes batalhões, a movimentarem-se arregimentados em rotinas de sensibilidade.

"Para o homem religioso o espaço não é homogêneo; ele sente interrupções e falhas nele" (pág. 20). A .mesma coisa com o tempo. Para o físico moderno, como também para o não-alfabetizado, o espaço não é homogêneo, tampouco o tempo. Em contraste, o espaço geométrico inventado na ambigüidade, longe de ser diferente, único, pluralista, sacro, "pode ser contado e delimitado em qualquer direção; mas nenhuma diferenciação qualitativa e, por conseguinte, nenhuma orientação são dadas em virtude da estrutura que lhe é inerente" (pág. 22). A asserção seguinte aplica-se inteiramente a ação recíproca e relativa dos modos óptico e auditivo na modelação da sensibilidade humana:

Deve-se acrescentar ao mesmo tempo que essa existência profana jamais é encontrada em estado puro. Em qualquer grau que tenha dessacralizado o mundo, o homem que se decidiu em favor de urna vida profana jamais consegue eliminar completamente a conduta religiosa. Isto tornar-se-á mais claro a medida que prosseguirmos; parece mesmo que a existência mais dessacralizada preserva ainda traços de urna valorização religiosa do mundo (pág. 23).

O método do século vinte é usar não um único porém muitos modelos para a exploração experimental - a técnica do juízo suspenso (109)

A discussão do tablete 86 volta aqui, particularizando o que McLuhan chama de técnica do juízo suspenso.

Da citação que McLuhan faz na pág. 110, transcrita de William Ivins Jr, vale notar e citar:

"O fato, que não deixa de ser divertido, é que as palavras e sua ordem sintática necessariamente linear não nos permite descrever os objetos, compelindo-nos a tentar listas pobres e inadequadas de ingredientes teóricos, que lembram concretamente as receitas de pratos dos manuais de cozinha."

Eu consegui uma cópia deste livro de Ivvins e acho que vale a pena transcrever outra coisa que ele disse (pg 51)

" No Museu (MOMA,NY, do qual ele era Curador de Impressões), eu aprendi de maneira amarga o quanto as palavras são inadequadas como ferramentas para definição e classificação de objetos os quais são singulares e únicos. Eu descobri que enquanto eu não estava interessado nos processos internos que vão dentro do cérebro do homem e do seu sistema nervoso, eu esta desesperadamente interessado no limite pelo qual ele conseguia comunicar os resultados destes processos. Aprendi que Batismo não é explicação, descrição, ou definição. Batismo é dar um nome, meramente juntar uma palavra ou qualidade particular a um objeto."

McLuhan enfatiza um aspecto ainda pior, que é o de qualquer cultura de alfabeto fonético cair no habito de criar a impressão de que o leitor através do código escrito tem uma experiência de "conteúdo", coisa que a linguagem falada tem muito mais.

Ele exemplifica a questão dos mitos nos trabalhos de Jung e Freud, cujas explicações não fazem sentido para os usuários não alfabetizados, que vêem instantaneamente os significados, na declaração verbal. Freud e Jung traduzem em termos da consciência de letrados estados de consciência de iletrados e, como toda tradução, deturpam e omitem o significado.

O grande desafio é traduzir o auditivo para o visual, que provoca fermentação criativa, que a nossa época de Internet vive como o faziam os gregos na Grécia clássica ou quem os redescobria na Renascença.

A comunicação via eletrônica (Internet, computador), tem a característica de instantaneidade que os mitos requeriam ou requerem das culturas não alfabéticas.

Especialistas em analise lingüística, como Gilbert Ryle, de Oxford, citado, acham impossível criar modelos pois não há como comunicá-los.

McLuhan cita ainda que percebemos isto principalmente quando dominamos varias línguas e no caso ele cita Grego, latim, Inglês e Francês e a situação de que o mundo oriental não tem conceito de "substancia" ou "forma substancial", por que não experimenta a pressão visual para dividir a experiência em tais parcelas.

Sobre este efeito na palavra impressa, Williams Ivins, Jr, expressou a significação da tipografia de maneira como ninguém jamais o fez (afirma McLuhan) e eu transcrevo, como principio geral:

"Assim, quanto mais precisamente pudermos circunscrever nossos dados para o raciocínio sobre o mundo dos dados que nos venham através de um só e mesmo canal sensorial, tanto mais aptos ficaremos para a correção do nosso raciocínio, muito embora seu alcance possa ser muito mais restrito. Uma das coisas mais interessantes em nossa prática cientifica moderna foi a invenção e a perfeição de métodos pelos quais os cientistas podem adquirir grande parte de seus dados; básicos, através de um mesmo canal sensório de percepção. Compreendo que na física, por exemplo, os cientistas se sentem mais satisfeitos quando podem obter seus dados com a ajuda de algum disco ou outro engenho que possa ser lido pela vista. Assim, o calor, o peso, as dimensões e muitas outras coisas que na vida comum são apreendidas através dos sentidos, sem ser o da visão, tornaram-se para a ciência questões de percepção visual das posições de apontadores mecânicos."

McLuhan nos informa que Blake considerava a interpretação cientifica da realidade como apenas uma distorção, pois levava em conta um único sentido e comentava que fora isto que ocorrera no século 18 e que era preciso libertar-se "da simples visão e do sono de Newton".

Einstein iria fazer isto no século XX.

Não consigo me furtar que o único livro que conheço que razoavelmente integra todos os sentidos na compreensão da realidade é a Bíblia e a visão cientifica que esta sendo apresentada atualmente como proposta única e insubstituível para isto, não passa de um sono como foi o de Newton e a humanidade tem ainda que acordar para perceber isto...

A tipografia domina apenas um período (o terço final) da história da leitura e escrita (113)

Neste ponto, se McLuhan tivesse estruturado este livro, começaria uma Parte II, pois ele passa apenas a se preocupar com a palavra escrita, ou melhor impressa, no âmbito de sua capacidade de transferir o espaço áudio-tactil do homem civilizado ou alfabetizado ou "profano".

Uma informação muito importante é que do séc 5 ao 15, livro era trabalho de escriba ou copista e somente uma terça parte da historia do livro no mundo ocidental foi tipográfica.

E eu acrescentaria que está rapidamente se transformando em eletrônica.e pela quantidade de produção em cinema, TV, mídias audiovisuais, logo terá mais informação desta forma que na do livro impresso.

Vale reproduzir a menção que McLuhan faz de G S Brett em Psicologia antiga e moderna, pág 36-37:

"A idéia de que o conhecimento é essencialmente saber de livros parece ser muito noção da época moderna, provavelmente derivada da distinção medieval entre clérigos e leigos, à qual veio dar nova ênfase ao caráter literário e um tanto extravagante do humanismo do século dezesseis. A idéia primitiva e natural de conhecimento é a de "sagacidade ou astúcia", ou do homem de recursos e espírito. Ulisses é o tipo original de pensador, do homem cheio de idéias, capaz de vencer os Ciclopes e alcançar importantes triunfos do espírito sobre a matéria. Saber ou conhecimento, portanto, é capacidade de vencer as dificuldades da vida e. obter êxito neste mundo."

Brett, nesse ponto, especifica a dicotomia natural que o livro traz para qualquer sociedade, além da divisão ou ruptura interior que produz no indivíduo dessa sociedade. Em suas obras James Joyce revela no assunto clarividência rica e complexa. Em Ulisses, seu personagem Leopold Bloom, o homem de muitas idéias e estratagemas, é um agente de publicidade.
Joyce viu as semelhanças ,entre a fronteira moderna. do verbal e do pictórico, de um lado, e de outro, o mundo de Homero, equilibrado entre a velha cultura sacra e a nova sensibilidade letrada ou alfabetizada, ou profana. Bloom, judeu recém-destribalizado, vive na moderna Dublin, no mundo irlandês parcialmente destribalizado. Tal fronteira é o mundo moderno da propaganda, congenial , portanto, da cultura em transição de Bloom. No episódio de Itaca, ou décimo sétimo de Ulisses, lemos: "Quais eram habitualmente suas reflexões finais? ,As de um anúncio, só e único, que fizesse o transeunte parar admirado, uma novidade de cartaz, do qual todos os acréscimos estranhos fossem excluídos, ficando reduzido aos termos mais simples e eficientes, não excedendo o campo da visão casual e rápida, de acordo com a velocidade da vida moderna".

Em Books at the Wake (Livros na vigília) (págs. 67-68), James S. Atherton assinala:

"Entre outras coisas Finnegans Wake é uma história da escrita. Começamos escrevendo sobre "Um osso, um seixo, uma pele de carneiro (...) leave them to cook in the mutthering pot: and Gutenmorg with his cromagnon charter, tintingfats and great prime must once for omniboss stepp rubrickredd out of the wordpress" (20.5). O "mutthering pot" é uma alusão à alquimia, mas há algum outro sentido ligado à escrita, pois na vez seguinte que a palavra aparece é num trecho relativo a melhoria em sistemas de comunicação. O trecho é: "All the airish signics of her dipandump helpabit from an Father Hogam till the Mutther Masons..." (223.3). "Dipandump helpabit" combina os sinais no ar com os dedos do alfabeto de surdos e mudos com os altos e baixos do ABC comum e os mais pronunciados altos e baixos da escrita "ogham" irlandesa. O Mason, que se segue a isso, deve ser o homem desse nome que inventou as penas de aço. Mas tudo que posso sugerir para "mutther" é o "cochichar" dos maçons que não se adapta ao contexto, embora eles também façam sinais no ar(*)."

Neste asterisco, o cultíssimo Prof. Anísio Teixeira, tradutor, explica:

(*) Foram deixadas no texto original as citações de Joyce. É que Joyce utiliza em seu livro todos os recursos dos diversos jargões de Dublin, dissonâncias, calemburgos e jogos de palavra para compor um todo refratário à tradução exata. Ora, o propósito do Autor de tirar dessa forma de composição particular uma significação especial é incompatível com uma tradução em que naturalmente não se poderia obter os mesmos efeitos de alusão e transfiguração dos sons. Daí o Tradutor preferir deixar as citações no original, traduzindo apenas o que lhe pareceu traduzível. O mesmo fez o tradutor francês, apesar da singular plasticidade de sua língua. (N. do Trad.)

E McLuhan acrescenta, no melhor estilo que eu Roque, gostaria de anotar Joyce:

"Gutenmorg with his cromagnon charter" expressa por meio de uma glosa mítica, o fato de que a escrita significou a emergência do homem da caverna, ou sacro, de dentro do mundo auditivo de ressonância simultânea para o mundo profano da luz do dia. A menção aos pedreiros (Masons) refere-se ao mundo dos assentadores de tijolos como o próprio modo do uso das palavras. Na segunda página de Wake, Joyce faz um mosaico, um escudo de Aquiles, por assim dizer, com todos os temas e modos da fala e comunicação humanas: "Bygmeister Finnegan of the Stuttering Hand, jreemen's maurer, lived in the broadest way immarginable in bis ruchlit todfarback for messuages before joshuan judges had given us numbers (...)" Joyce faz, em Wake, seus próprios desenhos da caverna de Altamira, configurando toda a história da mente humana, em termos de suas atitudes e ações fundamentais no curso de todas as fases da cultura e da tecnologia. Como o título que escolheu indica, ele viu que a vigília (wake) do progresso humano pode desaparecer novamente na noite do homem sacro ou auditivo.
O ciclo Finn (Finnegans Wake) de instituições tribais pode voltar na era da eletricidade, mas se voltar novamente, façamos dêle uma vigília (Wake) ou um despertar (Awake) , ou ambas as coisas. Joyce não via vantagem em ficarmos fechados em cada ciclo de cultura como num transe ou sonho. Descobriu os meios de viver simultaneamente em todos os modos de cultura ao mesmo tempo e completamente consciente. O meio que menciona para essa auto consciência e correção da distorção cultural é o seu "colideoroscópio". Esse termo indica o intercâmbio em mistura coloidal de todos os componentes da tecnologia humana ao estenderem eles nossos sentidos e mudar o equilíbrio de suas inter-relações no caleidoscópio social do entrechoque cultural: "deor", selvagem, o oral ou sacro; "scope", o visual, ou profano, e civilizado".

O grifo em vermelho é meu, Roque e é a afirmação mais importante que este livro de McLuhan contém.

Até agora cada cultura tem constituído para as sociedades uma fatalidade mecânica: a interiorização automática de suas próprias tecnologias (115)

As técnicas de uniformidade e repetibilidade foram introduzidas em nossa cultura pelos romanos e pela Idade Média (117)

A palavra moderno foi termo de reproche usado pelos humanistas patrísticos contra os escolásticos medievais que desenvolveram a nova lógica e a nova física (120)

Na Antigüidade e na Idade Média ler era necessariamente ler em voz alta (124)

A cultura manuscrita é uma espécie de conversação, mesmo porque o escritor e seu auditório se achavam fisicamente ligados pela forma de recitação que era o modo de publicação dos livros (126)

Manuscrito deu forma às convenções literárias medievais em todos os níveis (129)